Tio Aclênio é um desses que a
família tenta evitar, mas nem sempre dá conta. O sujeito vai muito além
daquelas piadinhas infames tipo "É pra ver ou pra comer?", quando
descobre que a sobremesa é pavê. Por conta disso, são raros os que ainda forçam
um riso para não causar pendengas desnecessárias.
Outra coisa que soube recentemente é que o
mala sem alça tem sido visto com certa frequência no Setor Comercial Sul, aqui
em Brasília. Incrédula diante de comentários a respeito do motivo que levaram o
homem a se deslocar quase que diariamente para lá, tive que olhar com meus
próprios olhos. Não era possível que tio Aclênio tivesse chegado a tal ponto.
Insanidade? Sei lá! Entretanto, não é que era mesmo verdade?
Pois bem, lá fui eu na quinta-feira
passada até a afamada região abarrotada de gente. Rodei, rodei, rodei, até que
me deparei com algo inacreditável. Meu tio, vestido de mendigo, encostado numa
marquise, mão estendida, pedia esmola para os transeuntes. Mas não pense você
que era um mendigo qualquer, pois o safado estava com óculos redondos escuros,
fingindo-se de cego.
A cada moeda recebida, tio Aclênio dava um
sorriso com aqueles dentes enegrecidos, possivelmente pintados com lápis de
olho. Alguns passantes, talvez para facilitar as coisas para o ceguinho,
depositavam a esmola diretamente na latinha ao lado. E se fosse alguma nota
graúda, eis que meu parente tratava de pegá-la e enfiá-la no bolso da calça
esfarrapada.
Inconformada com a situação, parei diante
do farsante, que levou alguns segundos para me reconhecer. Ele abaixou os
óculos, olhou para os lados, me encarou e fez cara de poucos amigos.
— Ah, não, Maria
Lúcia!
— Ah, não, o quê,
tio?
— Vê se arruma outro ponto, pois este já é meu!
- Nota de esclarecimento: O conto "Mala sem alça" foi publicado por Notibras nodia 18/4/2025.
- https://www.notibras.com/site/aclenio-traste-da-familia-vira-cego-para-mendigar-no-setor-comercial-sul/
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