— Como é que é, Jânio?
— Minha cara-metade.
— Peraí, você tá querendo me convencer de
que, numa população de mais de oito bilhões de pessoas no planeta Terra, você
encontrou a única mulher que se encaixa perfeitamente com o seu ser?
— Sim! Isso não é lindo, Maria Lúcia?
— Meu Deus! Ou tu tá de brincadeira ou,
pior, é que nem o finado tio Atílio.
— Bonitão?
— Tolo, Jânio! Tu é um tolo! Aliás...
— Aliás o quê?
— Pra não restar dúvida, tu és um
tolo!
A despeito da falta de sensibilidade da
minha parenta, nada me tira da cabeça que Rosana é a mulher da minha vida. Um
metro e sessenta, talvez um pouco mais alta, não sei dizer direito, cabelos
castanhos, olhos claros... Azuis ou verdes? Taí uma dúvida, mas que não tira a
beleza daquele olhar de gata que sabe que é gata. Sem falar do sorriso, que
disputa com os olhos a atenção de quem a vê. Que lábios lindos!
E pensar que aconteceu por acaso. Isso
mesmo! Estava eu em casa decido a não sair, com aquele sentimento de que
deveria dar um tempo em relacionamentos. É que não fazia nem uma semana que a
Laura... Ah, a Laura! Que mulher maravilhosa, mas que, infelizmente, não foi
capaz de dar valor ao meu amor após... Hum, um mês?
Mas como estava dizendo, havia decidido
ficar em casa, tomar um banho e assistir a um filme. O problema é que, já
debaixo do chuveiro, aquela água quentinha caindo gostosamente sobre meu corpo
jovem me fez pensar que não era dia de ficar esparramado no sofá vendo a vida passar.
Tratei de vestir a melhor roupa e fui para a balada, convicto de que aquele era
o meu dia de sorte.
Intuição é algo que quase sempre falha,
pelo menos no meu caso. Entretanto, naquela noite, assim que cheguei ao
barzinho mais descolado de Águas Claras, bati o olho numa mulher estonteante. E
olha que nem havia bebido ainda!
Por sorte, ela
percebeu meu olhar e sorriu. Tudo parecia encaminhado, mesmo que, de vez em
quando, me bata uma timidez. Sim, acredite, sou tímido, ainda mais diante da
mulher da minha vida, que, até aquele momento, andava por aí não sei com quem.
Aliás, até sabia, pois a deusa, talvez para me provocar, se virou para o
grandalhão ao lado e lhe tascou um beijo na boca.
Morto de ciúme, mas
com a sanidade em dia para não arriscar uma briga com um cara que iria
facilmente me detonar, fui até o balcão e pedi um refrigerante, apesar da minha
garganta suplicar por algo mais forte, ainda mais porque o local ficava a duas
quadras do meu apartamento, e eu estava a pé. Todavia, preferi não arriscar. É
que álcool costuma me deixar valente, e o meu rival, além de enorme, possuía
duas massas disformes ao lado da cabeça, que, talvez um dia, foram orelhas que
nem as suas ou as minhas.
Quase duas horas
após, já nem sabia quantos refrigerantes havia tomado. Pedi a saideira e,
então, percebi que algo acontecia na mesa da gata, que parecia discutir com o
troglodita. Pelo que pensei ter entendido, ela queria ir embora, mas ele
insistia em permanecer ali. Todavia, não tardou, quem saiu do local foi o
sujeito, arrastando um humor pra lá de azedo.
Quando imaginei que
daquele mato não iria sair cachorro, resolvi pedir a conta. Mas eis que a
mulher se postou ao meu lado no balcão e, do nada, puxou conversa.
— E aí, gato? Me
paga um guaraná?
Bem, é aquela coisa, um
guaraná sempre puxa outro guaraná e, quando já era madrugada, estávamos os dois
embolados no sofá do seu apartamento. Por coincidência, o prédio dela fica em
frente ao meu. Tudo parecia perfeito. Pena que, mal amanheceu o dia, ela me
dispensou.
- Nota de esclarecimento: O conto "Minha cara-metade" foi publicado por Notibras no dia 17/4/2025.
- https://www.notibras.com/site/cara-metade-toma-porre-de-guarana-e-some-como-um-arroto-de-coca-cola-quente/
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