terça-feira, 8 de abril de 2025

Ser mãe é padecer no paraíso

    

         Percebo que muitas pessoas têm ideias deturpadas sobre as mães, como se todas fossem poços de virtudes, que, na verdade, nunca encontrei na minha. Não me interprete mal ou, então, o faça com moderação, pois tenho cá minhas razões para não considerar mamãe a última Coca-Cola do deserto. Também não estou aqui para passar pano nas minhas atitudes em relação aos meus filhos, que estão na adolescência. 

          Fico aqui com meus botões imaginando como seria maravilhoso entregar a cria para o governo quando os hormônios começarem a agir de modo descontrolado. Tenho certeza de que muitas mães adorariam a ideia. Já pensou como seria maravilhoso? Juninho completou 12 anos e, do nada, virou um respondão. E lá viria um ônibus estatal recolher o delinquente até que o ciclo do mal findasse, o que, geralmente, acontece por volta dos 20 anos. 

          Maria Alice, mal despontou algumas espinhas no rosto, não quer mais me escutar. Bastaria um telefonema e, voilà, a guria seria devidamente transportada para um local e, somente depois de devidamente adultizada, seria devolvida. 

          Creio que você já deve ter percebido que meus filhos se chamam Juninho e Maria Alice. Quer dizer, Juninho é porque o moleque herdou o nome do pai, no caso, meu marido, que se chama Orlando. Trouxa que fui, deixei-o repetir essa desgrama de nome, pois queria Lucca. Quanto à Maria Alice, bem, a garota é mesmo Maria Alice. Isso graças aos meus protestos contra o desejo do pai, que queria porque queria colocar Edwiges. 

          — Mas de jeito nenhum que a minha filha vai ter esse nome de velha.

          — Salete, mas é o nome da minha avó.

          — Orlando, por favor, sua avó já morreu há quinhentos anos! Ademais...

          — Ademais o quê?

          — Ademais que a velha era uma rabugenta do caramba!

          Antes tivesse colocado Edwiges, pois a minha filha parece que deixou a doçura de Maria Alice há quase um ano. Gente, como é difícil lidar com alienígenas! Cadê o tal ônibus do governo que não vem buscá-los antes que eu enlouqueça.

            — Mãããããeeee!

            — O que foi dessa vez, Maria Alice?

            — Cê pode fazer um favorzinho pra mim?

            — Maria Alice, fique você sabendo que a minha avó morreu corcunda de tanto fazer favor.

            E cá estou eu, com a consciência me enchendo de culpa, doida para que essa fase passe logo. Se bem que ainda tenho esperança daquele tal ônibus do governo aparecer por aqui e carregar esses dois seres estranhos por um bom tempo. E dizem que ser mãe é padecer no paraíso. Cadê o paraíso nisso?

  • Nota de esclarecimento: O conto "Ser mãe é padecer no paraíso" foi publicado por Notibras no dia 8/4/2025.
  • https://www.notibras.com/site/ser-mae-como-a-de-juninho-e-da-maria-alice-ai-sim-e-padecer-no-paraiso/

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