terça-feira, 15 de abril de 2025

O amor é lindo

       

        O amor é lindo e, nem por isso, deixa de aplicar peças nos enamorados, como se para avisá-los que podem até ir fundo, mas cuidado com a cabeça. Não que esteja aqui para dizer que se apaixonar não seja algo gostoso, até porque me parece ser impossível passar por esta vida sem se derreter por alguém ou, como a minha esposa, a famosa Dona Irene, prefere usar o plural desse pronome indefinido invariável: alguéns!

          Tereza, 36 anos, trigueira até na alma, não era mulher de passar despercebida por onde passava. Obviamente que não seria diferente no concorrido emprego de certa empresa pública federal localizada no início da Asa Norte, em Brasília. Linda até dizer chega, foi fisgada por um colega da seção ao lado.

          Simão, quarentão de bigode tratado com as melhores pomadas, poderia figurar como galã de novelas mexicanas. O sujeito, solteirão convicto, mantinha discrição em relação a seus amores. Isso, aliás, era mote para fofoqueiros, que, naquela sexta-feira, conjecturavam sobre a orientação sexual do bonitão. 

          — Sei não, o Simão usa mais perfume do que a minha poodle. 

          — Bem que você deveria passar um perfume de vez em quando, Júlio.

          — Tá me estranhando, Aurora? Sou é macho!

          — Pois eu concordo com a Aurora! Ninguém merece desodorante vencido.

          — Até tu, Márcia?

          — Ué, por acaso disse alguma mentira?

          Enquanto Júlio cheirava o próprio sovaco, eis que entrou no recinto o assunto da discórdia. Com uma xícara de café na mão, Simão cumprimentou os colegas e foi até a sua sala. Passou o resto da tarde tão atarefado, que mal conseguiu mandar mensagens para Tereza.

          O casal se encontrou apenas à noite. Foram jantar em concorrido restaurante no Lago Sul. Depois passaram a noite no apartamento de Tereza, onde adormeceram enlaçados de paixão. 

          O romance seguia firme e, ao que tudo indicava, poderia arrancar Simão do clube dos solteiros. Pelo menos era isso que Tereza imaginava, ainda mais depois de receber uma lingerie rendada. Bem, a mulher não teve tal suposição por conta do presente, mas pelo cartão com dois corações entrelaçados. Não restava dúvida de que Simão queria algo muito além de noites de luxúria. 

          Na sexta-feira seguinte, Tereza foi retocar a maquiagem no banheiro do trabalho, quando encontrou duas colegas, a Lúcia e a Regina. Nada demais, caso não fosse por um detalhe. É que a Lúcia, justamente a Lúcia, beldade de seus 25 anos, estava de calça arriada com o intuito de mostrar algo para a confidente.

          — Não é linda?

          — Hum! Linda mesmo!

          — Pois ele me deu ontem à noite.

          — Hum! Ele tem bom gosto, mulher!

          — Mas o melhor de tudo foi isto.

          Lúcia retirou de sua bolsa um lindo cartão com dois corações entrelaçados, o que deu a certeza que Tereza não queria ter descoberto. A partir daí, foi um Deus nos acuda. Pois é, a amada do Simão agarrou a rival pelos cabelos e as duas se atracaram no chão frio e duro do banheiro. Regina, desesperada, tentou separar a briga, momento em que, alertados pelos gritos, entraram dois seguranças. 

          Tereza e Lúcia, apesar da vontade de continuarem a briga, foram separadas. Cada uma num canto, as mulheres arfavam como tigresas, enquanto exibiam como troféus de guerras tufos de cabelos da rival em suas mãos. 

          O caso foi parar a diretoria da empresa, que decidiu pela punição das envolvidas. Nenhuma foi despedida, mas Tereza perdeu o cargo de chefia, enquanto Lúcia tomou uma advertência. Ademais, essa contenda não passou em branco pelos colegas dos envolvidos.

          — Que maluquice foi aquela, Aurora?

          — Tá vende, né, Júlio?

          — O quê?

          — E você que achava que o Simão jogava no outro time.

  • Nota de esclarecimento: O conto "O amor é lindo" foi publicado por Notibras no dia 15/4/2025.
  • https://www.notibras.com/site/don-juan-de-empresa-publica-faz-amantes-se-engalfinharem-em-banheiro/

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