domingo, 13 de abril de 2025

Irmãos arteiros

    

O ano era 1957, mas bem que poderia ser 1958. Geraldo e José, nove e seis anos, aprontavam todas e, quando tinham tempo, não deixavam passar oportunidade de aprontar mais outras tantas. Meninos sendo meninos, como a avó gostava de dizer, ainda mais porque era a favor de que a fase mais divertida da vida deveria ser usufruída de modo o mais arteiro possível. O pai é que não concordava muito com isso, como se tivesse sido um anjo durante a infância.

          — Deixa os garotos se divertirem, Orlando.

          — Mamãe, esses moleques aprontam demais!

          — Igualzinho a você nessa idade.

          — Eu?

          — E quem mais?

          — Ué, o Roberto!

          — O Roberto, meu filho? Pois você não sabe que eu sei muito bem que era você o cabeça das artes da rua?

          — Eu?

          — Sim! O senhor mesmo!

          A despeito do pito tomado da matriarca, Orlando não deixou a fama de pai severo que fazia questão de cultivar perante os filhos. Ah, no menor deslize da cria, o chinelo cantava que era uma beleza. E não é que o homem teve a oportunidade de cumprir tal sina justamente naquele final de tarde, quando chegou aos seus ouvidos uma história que já se desenrolava há alguns dias?

          Geraldo e José, não se sabe onde, arrumaram um par de óculos escuros e uma bengala para se fingirem de cegos e, assim, atravessarem a rua mais movimentada da cidade. Enquanto um colocava os óculos e segurava a bengala, o outro pegava no braço do cego de araque e paravam o trânsito. Mal chegavam ao outro lado da rua, trocavam de papéis e retornavam. E assim ficavam durante um bom tempo.

       Pois naquele mesmo dia, ao chegarem ao lar, doce lar, os meninos foram recepcionados por Orlando, que segurava o chinelo, certo de que daria uma boa lição nos garotos. Entretanto, o pai talvez tenha se lembrado da própria época de meninices ou, então, ficou aliviado de ver os filhos chegarem são e salvos em casa. Mesmo assim, disse algo que, até hoje, é lembrado pelos irmãos.

    — Se aparecer alguém atropelado aqui, eu não dou nem um Merthiolate.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Irmãos arteiros" foi publicado por Notibras no dia 13/4/2025.
  • https://www.notibras.com/site/na-brasilia-que-engatinhava-geraldo-e-jose-aprontavam-todas-para-agonia-do-pai/

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