O ano era 1957, mas bem que
poderia ser 1958. Geraldo e José, nove e seis anos, aprontavam todas e, quando
tinham tempo, não deixavam passar oportunidade de aprontar mais outras tantas.
Meninos sendo meninos, como a avó gostava de dizer, ainda mais porque era a
favor de que a fase mais divertida da vida deveria ser usufruída de modo o mais
arteiro possível. O pai é que não concordava muito com isso, como se tivesse
sido um anjo durante a infância.
— Deixa os garotos se divertirem, Orlando.
— Mamãe, esses moleques aprontam demais!
— Igualzinho a você nessa idade.
— Eu?
— E quem mais?
— Ué, o Roberto!
— O Roberto, meu filho? Pois você não sabe
que eu sei muito bem que era você o cabeça das artes da rua?
— Eu?
— Sim! O senhor mesmo!
A despeito do pito tomado da matriarca,
Orlando não deixou a fama de pai severo que fazia questão de cultivar perante
os filhos. Ah, no menor deslize da cria, o chinelo cantava que era uma beleza.
E não é que o homem teve a oportunidade de cumprir tal sina justamente naquele
final de tarde, quando chegou aos seus ouvidos uma história que já se
desenrolava há alguns dias?
Geraldo e José, não se sabe onde,
arrumaram um par de óculos escuros e uma bengala para se fingirem de cegos e,
assim, atravessarem a rua mais movimentada da cidade. Enquanto um colocava os
óculos e segurava a bengala, o outro pegava no braço do cego de araque e
paravam o trânsito. Mal chegavam ao outro lado da rua, trocavam de papéis e
retornavam. E assim ficavam durante um bom tempo.
Pois naquele mesmo dia, ao
chegarem ao lar, doce lar, os meninos foram recepcionados por Orlando, que
segurava o chinelo, certo de que daria uma boa lição nos garotos. Entretanto, o
pai talvez tenha se lembrado da própria época de meninices ou, então, ficou
aliviado de ver os filhos chegarem são e salvos em casa. Mesmo assim, disse
algo que, até hoje, é lembrado pelos irmãos.
— Se aparecer
alguém atropelado aqui, eu não dou nem um Merthiolate.
- Nota de esclarecimento: O conto "Irmãos arteiros" foi publicado por Notibras no dia 13/4/2025.
- https://www.notibras.com/site/na-brasilia-que-engatinhava-geraldo-e-jose-aprontavam-todas-para-agonia-do-pai/