Marinete, desde os miseráveis tempos de menina, se arrastava
no rodapé da sobrevida. Descartável, nada mais do que figura insignificante que
não despertava nem a mais simples compaixão de quem quer que fosse. Antes uma
barata, que ainda poderia se esconder embaixo do sofá. À mulher, restava o
esgoto. Simples assim.
Diarista, mãe solo de quatro, sustentava a cria como dava.
Também, quem mandou acreditar na lábia de sujeito homem? Culpada havia sido
ela, já que ingenuidade tem validade, e não era direito carregá-la após os 12.
Que pagasse por seus erros e não abrisse a boca para reclamar, pois já o fazia
em demasia para engolir os nacos de pão duro que almas caridosas lhe
jogavam.
Acostumada com quase nada, Marinete passou a se questionar
sobre a própria condição, ou melhor, a falta de uma para se manter minimante,
ainda que, para que isso acontecesse, precisasse percorrer um longo caminho,
pior, jornada, pior ainda, verdadeira odisseia. Pensou, pensou, pensou durante
dias, até que vislumbrou nada. Sem saída, acuada que nem rato no canto do beco,
não teve escolha a não ser...
Bem, o plano inicial era assaltar um banco, tocar o terror,
matar ou morrer. Diante de tamanha inexperiência para se apoderar do que era
dos outros, ainda mais à mão armada, desistiu. Imagine se isso virasse notícia?
Ih, todo mundo iria saber e, não tardaria, bocas ferinas destilariam veneno:
— Você viu a Marinete?
— Pois é, sempre soube que nunca daria boa coisa.
— Mas assaltante de banco?
— É mesmo, você tem razão. Pegou pesado!
Marinete sacudiu a cabeça e deu dois leves tapas na testa com o
intuito de afastar qualquer pensamento criminoso. Todavia, já era tarde. Se lhe
faltava coragem para assaltar banco, não quer dizer que não pudesse ser a
beneficiária de tal intento, ainda que por acaso. E não foi justamente o que
aconteceu?
Pois lá estava a indigente, bem ali na Asa Norte, remexendo um o contêiner abarrotado de lixo, quando dois homens,
desesperados, pareciam fugir de assombração. Não era fantasma nem mula sem
cabeça ou boitatá. A polícia! Corram ligeiro, que os canas, motorizados que
estavam, logo chegariam. Uóu, uóu, uóu!
De repente, um dos assaltantes jogou uma
mochila no colo da Marinete.
— Toma, tia!
Espantada ficou, mas, boba que não era,
percebeu que o melhor a se fazer era se fingir de sonsa. E foi o que fez. Mal
os homens sumiram de vista, Marinete jogou a mochila dentro da lixeira. Não
tardou, os homens, os ditos homens, pararam o camburão.
— Ei, você aí! Viu dois sujeitos passar por
aqui?
Marinete pensou por um instante e, diante da
impaciência dos policiais, fez-se de desentendida e voltou a mexer na caçamba,
onde pegou um pedaço de pão cheio de bolor esverdeado. Deu aquela dentada e
sorriu os poucos dentes enegrecidos.
— Vamos, Teixeira! Essa aí é doida-de-pedra.
Assim que a viatura arrancou, Marienete
esperou por um ou dois minutos, olhou para todos os lados, pegou a mochila e
abriu o seu zíper. Que dinheirama era aquela? Estaria ali todo o dinheiro do
mundo?
Abismada, tratou de sair dali antes que os homens ou homens de verdade retornassem. Não ficou rica, mas foi o suficiente para voltar para sua terra, comprar uma casa e arrumar os dentes.
- Nota de esclarecimento: O conto "Marinete, a pobretona" foi publicado por Notibras no dia 2/11/2025.
- https://www.notibras.com/site/marinete-a-pobretona/

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