quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Adriana, a adolescente de 78 anos

        Adriana, 78 anos, a maior parte vivida sob as asas do pai, dos irmãos e do marido, andava com ânimos rebeldes, como se justamente agora, já velha, o espírito adolescente a tivesse alcançado. Quem não estava gostando muito dessa história era Marcos, o primogênito. 

          O rapaz... Bem, não se trata exatamente de um rapaz, já que o sujeito beirava os 60. Quanto aos mais novos, ou não estavam nem aí com as atitudes da mãe ou, pasmem, até pareciam gostar. Neste campo estavam Letícia, a rebelde por direito, pois ocupava a condição de filha do meio, bem como Lauro, o caçula.

          Cinco ao todo e, para não deixar qualquer resquício de dúvida, eis a ordem de nascimento dos herdeiros, que em tempos idos, os patriarcas poderiam lhes conferir autoridades de acordo com a antiguidade: Marcos, Geraldo, Letícia, Fernanda e Lauro. Pura bobagem, mas que, aqui um pasmem de verdade, algum incauto poderia concordar que o simples fato de ter vindo a este mundo primeiro lhe daria certa primazia. Deixemos questões tolas de lado, pois o assunto não é a prole, mas a mãe.

        — Mamãe, a senhora sabe que não pode sair desacompanhada?

        — Como assim, Marcos?

        — Não é seguro e não fica bem.

        — Não é seguro? Não fica bem?

        — É. A senhora pode ter enfarto fulminante na rua. Já imaginou?

        — Enfarto fulminante, Marcos?

        — Sim. Já imaginou?

        — O problema é, então, o enfarto fulminante?

        — Há também AVC, desmaios, um mal súbito qualquer.

        — Hum!

        — Quando papai era vivo, não me preocupava com a senhora, pois ele sempre estava por perto, mas agora...

          — Agora o quê, Marcos?

           — A senhora está sozinha.

            — Sozinha?

            — É.

            — Ouviu isso, Cida? O meu filho aqui, pelo visto, não sabia nem a profissão do pai. Deve pensar que o pai era médico e não advogado. 

            A empregada voltou o olhar para a patroa e sorriu.

             — Mamãe! Por que a senhora tá me tratando assim?

             — Olha aqui, moleque, passei a vida inteira calada, fui adestrada... Veja bem o termo que usei. Adestrada! Sim, isso mesmo! Adestrada para ser uma criatura mansa, sem opiniões, sem desejos, muda, calada, só sorrisos discretos. E agora você quer me dar ordens? 

            — Mas...

            — Chega! Não quero nem mais uma palavra. Você está na minha casa. Minha! Só minha! E quem manda aqui sou eu e quem eu deixar mandar. 

                Marcos ficou boquiaberto com a determinação da mãe. O que teria acontecido a ela? Estaria senil?

                — Agora vou tomar meu chá da tarde. Quer nos acompanhar?

                — A senhora está esperando mais alguém?

                — Não. 

                — Não?

                — Não.

                — É que a senhora disse nos acompanhar.

                — É que descobri, depois de quase 20 anos, que a Cida adora chá. Culpa minha, que nunca havia perguntado isso a ela.

                Mesa posta, Adriana, Cida e Marcos se serviram e, apesar do início constrangedor para o homem, ele pareceu se acostumar com a situação. Trocaram amenidades quando a campainha tocou. Cida, como de costume, se levantou, mas foi impedida por Marcos.

                — Não, Cida. Deixe que eu atendo.

                Não tardou, Marcos retornou.

                — Mamãe, é uma moça do censo.

                — Pois mande-a entrar. Veja se ela não quer tomar um chá conosco.

                Marcos nem fez cara de espanto e, dois minutos após, lá estavam os quatro ao redor da mesa.

                    — Irene, né?

                    — Sim, senhora. 

                   — Não precisa me chamar de senhora. Sabia que a minha mãe se chamava Irene?

                   — Não sabia. 

                    — Gosto muito do seu nome. 

                    — Obrigada.

                    Quase uma hora após, Irene retirou o questionário da mochila. Uma infinidade de perguntas, mas que se tornaram uma distração para todos, ainda mais quando se chegou a determinada pergunta, cuja resposta arrancou gargalhadas até do Marcos.

                    — Estado civil?

                    — Desobediente.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Adriana, a adolescnte de 78 anos" foi publicado por Notibras no dia 13/11/2025.
  • https://www.notibras.com/site/adriana-a-adolescente-de-78-anos/

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