Quase duas décadas depois, agora em Brasília,
aconteceu a segunda troca de olhares entre Larissa e Osmar. Mais maduros, a
vergonha parece ter sido deixada de lado, mesmo que os dois tivessem firmado
compromisso com outrem. Coisas da capital, poderiam dizer os que a conhecem,
mas que, na verdade, acontecem em qualquer lugar, ainda mais quando o desejo
sobrepuja a razão.
Por conta dessas raras coincidências que
acontecem a todo instante, Larissa e Osmar, sem qualquer conluio nessa questão,
prestaram concurso para um órgão do Distrito Federal e, após tomarem posse,
foram morar na mesma quadra na Asa Norte. Melhor ou pior, compartilhavam o
mesmo andar no prédio A. A de adultério, um engraçadinho poderia dizer. Que
seja! E atire a primeira pedra quem nunca...
Para
deixar a situação ainda mais instigante, eis que os respectivos apartamentos
ficavam de frente um para o outro. Se isso não é culpa dos deuses, que
certamente conspiraram a favor de possível adultério, não sei mais o que é. Que
desçam dos altares e assumam sua parcela de responsabilidade nessa pendenga.
O reencontro aconteceu na portaria do edifício.
Enquanto Osmar aguardava o elevador, eis que a porta se abriu e, voilà, Larissa surgiu como
num passe de mágica. Os dois se cumprimentaram como se já se conhecessem,
apesar de jamais terem trocado nem sequer uma palavra. No entanto, talvez
puxados por memórias longínquas, sorriram.
Larissa
saiu do elevador e, curiosa que estava, perguntou:
— De onde mesmo nos conhecemos?
— Do Mundial.
A mulher gargalhou, o que fez os olhos do
sujeito brilharem.
— Você está ainda mais linda.
— Hum!
Pelo jeito, perdi a chance naquele dia no Mundial.
— Tarde.
— O
quê?
— Aconteceu
à tarde.
— Jura?
— Sim.
— Nossa,
que memória!
— Às
16h47 do dia 11 de fevereiro de 2003.
— Não
acredito! Você está falando sério?
— Fiz
questão de anotar para te contar um dia.
— Será
que corro algum risco, senhor...
— Osmar.
Mas sem senhor, por favor...
— Larissa.
Despediram-se com um sorriso e um aperto
de mãos. E essa história poderia acabar por aqui, caso não fossem os eventos
que se seguiram no final do dia, quando os dois entraram ao mesmo tempo na
portaria, pegaram o elevador e, para espanto de ambos, entraram nos respectivos
apartamentos, cujas portas eram uma em frente à outra.
— Não é possível! Você é minha vizinha?
— Pois é, Osmar. Parece que nossos
destinos foram mesmo traçados no Mundial.
Casados. Sim, como já
mencionado, os dois sabiam que não poderiam contrariar os caminhos delineados
pela deusa Coincidência. Ademais, a química era flagrante e, não tardou,
Larissa sugeriu um café. Osmar nem titubeou. Sim, sim e sim!
O encontro aconteceu
numa inocente segunda-feira. Os dois chegaram quase ao mesmo tempo, mas, antes
que entrassem na cafeteria, perceberam que aquilo era deveras arriscado.
Brasília, um ovo, por lá sempre ocorrem inconvenientes esbarrões com algum
conhecido. Para evitar um mal maior, acharam por bem consumar de vez o
adultério.
O problema que se seguiu não foi conviver com
a traição. Ah, isso é mera bobagem que só atinge os tolos. Entretanto, a
paixão, sim, essa vontade louca de estar ao lado da pessoa amada, não
importando as consequências, se apoderou daqueles dois corpos.
Adelmo, marido da Larissa, adotou providencial
vista grossa, enquanto Amanda, esposa do Osmar, parecia mais interessada nas
aulas de ginástica do professor bonitão. Essa combinação parecia perfeita, até
que alguém, que havia voltado de não sei de onde, começou a se incomodar com a
situação: Rubens.
Afinal, quem era esse tal Rubens? Bem, Osmar não havia sido a primeira pulada
de cerca da Larissa. Para piorar, o ex-amante era ciumento e contumaz
praticamente de artes marciais. Um valentão, por assim dizer. E, não tardou,
tomou as dores como se o traído fosse ele, apesar de há quase seis meses ter
sido a parte ativa no término do romance. Tudo porque a esposa, Carla, havia
descoberto.
Como confusão pouca é bobagem, eis que todo mundo se conhece em Brasília, que é
uma espécie de cidade do interior, onde a fofoca corre solta. Um churrasco.
Isso mesmo! Um churrasco na casa da Amanda, amiga dessa turma toda. E quem
é que queria faltar? De jeito nenhum, ainda mais porque a mulher possuía
contatos de gente poderosa, que sempre pode dar aquela ajuda crucial em
qualquer pendenga.
Quando chegou o domingo, lá estavam todos ao
redor da enorme piscina degustando carnes de todos os tipos, quando Carla
percebeu um olhar do marido para Osmar, que, até então, estava completamente
alheio aos últimos acontecimentos. A mulher, que não era de fazer barraco por
ninharia, deixou a coisa rolar.
Em
determinado momento, eis que o Osmar, bexiga cheia por conta de tantas
cervejas, foi ao banheiro se aliviar. Sem qualquer discrição, lá foi o Rubens
atrás do rival. Não deixaria barato. Ou ele desistia daquela pouca-vergonha, ou
era capaz de levar um murro no nariz.
Diante do vaso sanitário, Rubens tomou aquele susto com a indesejada
intromissão.
—
Ô, meu amigo!
—
Oi.
—
Tô sabendo de tudo.
—
Tudo o quê?
—
Do seu lance com a Larissa.
Imediatamente a uretra travou, e não havia quem fizesse o xixi voltar a correr
livre, leve e solto. Mesmo assim, Osmar procurou manter a calma e,
cuidadosamente, fechou a braguilha.
— E você é quem?
— Rubens.
— Não quero saber o seu nome, mas quem você é. Quem?
Aquilo não estava nos planos do brigão. Por que o sujeito tinha que
perguntar quem ele era? Respondeu sem ter certeza de que a resposta era a mais
adequada.
— Marido da Carla.
— Hum. E a Carla sabe disso?
— Sabe do quê?
— Que você está aqui me intimidando para não sair mais com a Larissa?
— Nã-nã-não!
— Que tal contarmos para todos agora mesmo?
— Ora, seu...
— Osmar.
— Eu sei o seu nome!
— Pois eu já me esqueci do seu. E não faço a menor questão de saber.
Sabe por quê?
— Não.
— É para o caso da Carla me perguntar se você e eu já conversamos sobre
a Larissa. Obviamente que direi que nem te conheço. Sabe por quê?
— Não.
— É que a vida dos outros não me interessa. E tem mais uma coisa, marido
da Carla.
— O quê?
— Conhece aquela brincadeira infantil de correr em volta das cadeiras, e
uma a uma é retirada, e quem ficou em pé sai?
— Sei. E daí?
— Você perdeu. E quem está sentado, aliás, confortavelmente
sentado na cadeira, sou eu. Agora me dá licença, que não sei mijar com alguém
me olhando.
Rubens, boquiaberto, não sabia o que dizer. Saiu, voltou
para a mesa, sorriu para a esposa e lhe beijou os lábios.
— Demorou, amor! Onde você foi?
— Ao banheiro. Acho que bebi demais.
Não tardou, Osmar retornou e se sentou ao lado da mulher. Ela o abraçou, ele apertou carinhosamente a sua mão. Enquanto isso, pés de outrem se tocavam por debaixo da mesa, acobertados pela toalha, que nem era tão longa assim. Brasília tem dessas coisas. E está tudo bem, desde que cada um tome conta apenas da própria vida.
- Nota de esclarecimento: O conto "Brasília tem dessas coisas" foi publicado por Notibras no dia 16/11/2025.
- https://www.notibras.com/site/brasilia-tem-dessas-coisas/

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