
Se há males que vêm para o
bem, parece que a situação enfrentada por Jairo não era exatamente essa, pois o
levaria para a prisão. E não havia mais instâncias a recorrer, já que todas
teriam se esgotado com o trânsito em julgado. Também, quem mandou matar o pobre Waldomiro, cujos dotes generosos o levaram para a alcova de Monique, a fogosa
esposa do condenado.
O caso em questão, que repercutiu sem
qualquer cerimônia pela alta sociedade brasiliense, atingiu também de maneira
generosa a plebe, que se divertiu com a exposição dos fatos em rede local. E,
quando todos imaginavam que o traído pagaria por seu crime, ao contrário do Zé,
o executor, eis que o mandado de prisão bateu à porta da mansão no Lago
Sul.
Às seis da manhã, não houve toc-toc, mas
blim-blom, já que se tratava de região de endinheirados. Quem atendeu foi a
Maria, uma das empregadas da residência. A mulher tomou um susto, mas não por
causa da visão dos policiais, já estava acostumada com aquilo. Porém, não ali
naquela parte do Distrito Federal, onde a campainha nem costuma tocar àquela
hora da matina e, quando acontece, ou é parente chegando de viagem ou, então,
alguma encomenda.
— Pois não?
— Somos da polícia. O senhor Jairo Malaquias
Bastos se encontra?
— Sim. Mas o patrão ainda está dormindo e não
gosta de ser acordado.
O policial, mandado de prisão nas mãos, sorriu
por conta da inocência da empregada.
— Precisamos entrar, senhora. Estamos com um
mandado de prisão.
Enquanto dois policiais ficaram na sala,
outros dois subiram as escadas e, aí sim, aconteceu o famoso toc-toc. Não
tardou, surgiu Jairo, cara de sono, pijama listrado, como se esperasse ser
preso. Monique, ainda na cama, cobriu-se quase por completo, deixando apenas o
rosto para fora. Ela percebeu que, finalmente, as garras da justiça alcançaram
o esposo.
Enquanto Jairo trocava de roupa, Monique
apenas observava. Calada, já que não havia palavras para serem ditas. E seu
único gesto foi apenas aceitar o beijo de despedida do marido, que foi
conduzido, sem algemas, para o a sede da Polícia Civil do Distrito Federal,
onde ainda passaria por audiência de custódia. De lá, direto para a Papuda,
onde cumpriria a pena cabida.
Monique aguardou por mais 10, 15 minutos,
tempo mais do que suficiente para que os policiais saíssem do local com Jairo.
Sem ter o que fazer, fechou os olhos e, não tardou, adormeceu.
Já era por volta de meio-dia quando Maria, preocupada com a
patroa, foi bater à sua porta. Vá que a dona da casa tivesse sucumbido diante
da visão da prisão do marido. Não adiantou o toc-toc e, então, a empregava
abriu a porta de leve.
Lá estava Monique adormecida. A cútis impecável, como
se tivesse saído de um spa. Teria morrido? Tal pensamento fez Maria se
aproximar da patroa e, antes que pudesse dizer algo, os lindos olhos castanhos
de Monique se abriram.
— Que susto, dona Monique!
— O que é, Maria? Tá me espionando agora?
— Que isso, patroa! E eu lá
sou dessas? Tava é preocupada com a senhora.
— E por que estaria preocupada comigo?
— Ué, por causa do seu Jairo.
— Ah, é! Você tem razão.
Como num passe de mágica, o semblante da patroa se
transformou em calvário.
— Maria, minha amiga, hoje é um dia triste, muito triste.
— Sim, senhora. Muito triste. Nem sei o que faremos sem o
seu Jairo.
— É verdade, minha amiga Maria.
— E a senhora não tem o que fazer pra ajudar o seu Jairo?
— Eu? Não sou advogada, minha amiga. Além do mais, temos que
enfrentar a realidade. C'est la vie! Vamos começar o dia!
Maria observou nova mudança de semblante da patroa e, por um
instante, também pareceu animada.
— Vou preparar um café reforçado pra
senhora.
— Esqueça o café por esses dias, Maria.
Traga-me champanhe!
- Nota de esclarecimento: O conto "Um caso de polícia na alta sociedade" foi publicado no Notibras no dia 26/11/2025.
- https://www.notibras.com/site/um-caso-de-policia-na-alta-sociedade/