Hoje resolvi dar folga ao estresse e deixei o carro na garagem. O
trânsito infernal de Águas Claras até o Plano Piloto vai ficar para os demais
dias da semana, pois fui trabalhar de metrô. Aliás, deveria fazer isso mais
vezes, já que, apesar do desconforto de ir em pé, me divirto com histórias, no mínimo,
curiosas.
Dois rapazes conversavam ao meu lado. Um deles, muito mais
falante do que o outro, arregalava os olhos antes de desandar a falar.
— Véi, tive um pesadelo lazarento de madrugada.
— Sério?
— Sério!
Enquanto meu pensamento tentava concatenar as ideias, eis que o
contador de causos avançou sem a menor cerimônia.
— Acordei no maior susto! A TV ligou sozinha.
— O quê?
— Não tô te falando, véi? A TV ligou sozinha! Acredita nisso?
Diante de tamanha ênfase, já não era apenas eu que queria saber
o desfecho da trama, outros ouvidos apontaram para a dupla. Uma senhora em
frente olhou para mim e esticou o lábio inferior, como querendo dizer
"Nossa! Que coisa, né?"
— E daí, véi? O que rolou depois?
— TV ligada, eu, me tremendo todo, fui procurar o controle,
mas...
— Mas?
— Véi, tu não vai acreditar!
A senhora e eu, a essa altura, já éramos como dois velhos
conhecidos, tamanha a troca de olhares. Sem contar um senhor logo atrás de mim,
que me cutucou no ombro e, do nada, arregalou os olhos e esticou o lábio
inferior, certamente querendo dizer "Meu amigo, que coisa, hein?"
— Véi, procurei o controle, revirei tudo, mas nada.
— Sério?
— Num tô te falando,véi?
O zum-zum-zum dentro do vagão era para saber o final da
história. Todo mundo se perguntando, até que todos esticaram as orelhas para
tentar escutar a voz do jovem. Até eu, que deveria ter descido na estação
anterior, preferi chegar atrasado ao trabalho para não perder o epílogo.
— E você não sabe qual foi a maior.
— E qual foi?
— Sabe onde o controle estava?
— Num faço a menor ideia, véi.
— Dentro da geladeira.
— Da geladeira, véi?
— Da geladeira, véi! Dentro do pote de sorvete.
—
Do pote de sorvete?
— Pois é! Sorvete de morango. Você
sabe, né?
— O quê?
— Pô! Eu adoro sorvete de morango!
Não sei se foi por conta da surpresa ou, então, para ser
simpático com a senhora e o senhor, arregalei os olhos e estiquei o lábio
inferior: "Nossa, que coisa, gente!"
- Nota de esclarecimento: O conto "Um dia no metrô" foi publicado por Notibras no dia 23/5/2025.
- https://www.notibras.com/site/homem-vai-trabalhar-de-metro-e-se-depara-com-caso-de-assombracao/
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