Quando não consigo dormir direito, faço minhas coisas numa
preguiça danada, como se fosse arrastada pela consciência, que pesa dolorida.
Tudo parece precisar de esforço redobrado para ser feito, enquanto meu corpo,
sonolento pela falta de repouso adequado, move-se que nem líquido se deslocando
em busca de soluto. Pura osmose!
— Mãe, cadê meu estojo?
— Amor, você viu minha gravata listrada?
— Mãããeee, a senhora sabe onde coloquei a
minha saia lilás.
Enquanto luto contra minhas pálpebras, meus filhos e meu marido
me cobram coisas que são da conta deles. Tento manter um sorriso amigável, mas
creio que a vontade de me transformar em pura ironia vence qualquer pretensão
de ser politicamente correta em hora tão inapropriada para ser arrancada da
cama.
— Você viu?
— Vi o quê, Marco Antônio?
— A minha gravata.
— Que gravata?
— Aquela azul com listras.
— Não, amor da minha vida, não vi.
— Onde será que ela está?
— Sei lá! Na verdade, não me lembro da última vez que a usei.
— Você usou a minha gravata?
É incrível que o meu esposo não entende sarcasmo. Ou será isso
característica dos homens em geral, como se algo lhes faltasse na cabeça. Será
que eles são desprovidos de cérebro? Entretanto, para não causar imbróglio logo
cedo, finjo candura.
— Meu bem, estou brincando. Mas por que você não vai com aquela
vermelha? Você fica um gato!
— Sério?
— Sério, meu lindo!
Por sorte, consigo convencer o meu amado a usar a tal gravata
de outra cor. Ainda bem ou, então, era capaz de eu me fazer viúva pelas
próprias mãos, usando, talvez, a gravata listrada, que não tenho a menor ideia
de onde esteja. Mas, antes de eu cantar vitória, eis que meu filho me cobra
novamente.
— Mãe, viu o meu estojo?
— Já olhou na sua mochila, Tadeu?
— Já.
— Me dá ela aqui.
Assim que meu primogênito me entrega a mochila, encontro o tal
estojo, que estava bem no fundo.
— Tá aqui, Tadeu!
— Valeu, mãe!
Dou um suspiro tão alto, que minha família se volta para mim.
Ergo os olhos para o teto, como se buscasse me confidenciar com possíveis duendes
escondidos no lustre, herança de vovó. Tomo coragem e lanço uma pergunta, que,
pelo tom, parece mais um desafio.
— Algo mais?
Nenhuma resposta, até que a Luísa aparece vestida com uma calça
colorida.
— Que tal, mamãe?
Antes que eu diga algo, minha filha completa.
— Hoje vou apresentar um trabalho sobre a Tropicália.
Nem sei se minha menina falou a verdade. Seja como for, parece
que ela me entende melhor do que o pai e o irmão.
- Nota de esclarecimento: O conto "Um dia daqueles como tantos outros" foi publicado por Notibras no dia 26/5/2025.
- https://www.notibras.com/site/um-dia-daqueles-como-tantos-outros-na-dificil-rotina-das-maes/
Nenhum comentário:
Postar um comentário