quinta-feira, 22 de maio de 2025

Paixão adolescente

Era ali, à sombra daquelas árvores, que os namoros mais ousados se davam nos idos de 1963. Não foi diferente com os da minha rua, que, atrevidos, tentavam de todas as formas marcar presença, nem que fosse para esculpir um coração no tronco sob a copa, com o próprio nome e o da amada. Para completar, uma flecha que varava a obra de arte.

         Nunca agredi caule de árvores, apesar de ter tido alguns amores platônicos, bem como, naqueles idos, levar um providencial canivete no bolso de trás da bermuda surrada. Na verdade, mesmo que naquela época possuísse dentes fortes, usava a lâmina para descascar e fatiar mangas, como se fosse um hábil caçador indígena. É engraçado como a mente adolescente é permeada de devaneios infantis. 

       A primeira vez que a vi foi como se algo me dissesse que nossa história não se resumiria apenas àquele encontro fortuito na fila da padaria em um final de tarde de verão. A garota me lançou um olhar como se estivesse desvendando meus mistérios, enquanto eu, repleto de inseguranças, abaixei os olhos e os fixei sobre meus gastos chinelos de dedo. Nem sei se ela percebeu o encardido dos meus pés encardidos da terra vermelha, tão característica de Brasília. 

          Evelina, aos 15 anos, já possuía a aparência de mulher. Quanto a mim, não passava de um ser disforme, cheio espinhas, que pipocavam pelo rosto marcado de incertezas. Eram nítidas as discrepâncias entre nós, ainda mais quando, talvez duas semanas após o nosso primeiro contato visual, tê-la visto de mãos dadas a um rapaz pouco mais velho, caminhando para aquelas árvores. Nem sei se ela percebeu quando passou por mim, creio que não, ainda mais porque parecia tão interessada no namorado.

        Não sei quanto tempo exatamente levou de 1963 a 1970, quando, por acaso, encontrei novamente a Evelina. Tempo é algo complexo, pois o que pode parecer ligeiro para alguns, não raro, é uma eternidade para outros. Seja como for, esse período foi generoso comigo, mesmo não tendo me transformado em Alain Delon. Ao menos, meu rosto não ficou marcado por tantas erupções adolescentes. Também ganhei um pouco de corpo, apesar da magreza, herança de família. 

          Ela havia se mudado para o Rio de Janeiro, onde passou boa parte do tempo livre contemplando o mar. Com o desquite dos pais, retornou para a capital do país com a mãe, para o mesmo apartamento, na mesma quadra, justamente a que eu nunca havia saído. Para mim, era como se Evelina tivesse rodado o mundo, enquanto eu continuava enfurnado na provinciana cidade do Cerrado. 

          Nos meses seguintes, acabamos nos aproximando. Apenas amizade mesmo, apesar dos pensamentos que me empurravam para outro desfecho. Gente, como aquela mulher me encantava! Todavia, preferia não arriscar algo que, a meu ver naqueles idos, seria como jogar fora a companhia da minha amada. 

          — Rodrigo, conhece o Leonardo?

          — O que mora na última casa da rua?

          — Sim, ele mesmo.

          — E o que tem ele?

          — Estamos saindo.

          O namoro com o tal Leonardo, para meu alívio, não durou mais do que duas ou três semanas. Entretanto, não tardou, Evelina se envolveu com outros rapazes, mas nenhum pareceu se encaixar ao seu modo de ver a vida. 

          No início de 1971, fui estudar em Belo Horizonte, onde me formei advogado. Retornei para Brasília no início de 1975 carregando na mala um canudo e um monte de esperanças. E foi justamente na primeira semana de volta à capital que esbarrei novamente com a minha paixão platônica. Um encontro caloroso, cheio de sorrisos francos. 

          Até hoje me pergunto o que aconteceu, mas, do nada, um convite inesperado escapuliu da minha boca. 

          — Evelina, quer sair comigo?

          Ela olhou para mim, sorriu e me deu um breve beijo nos lábios.

          — Até que enfim, Rodrigo! Pensei que você nunca iria me chamar pra sair.

     Já faz 50 anos que aquela moça bonita aceitou o meu convite. E, desde então, continuamos de mãos dadas. Qualquer dia desses, crio coragem, e a levo para debaixo de uma daquelas árvores. Quem sabe, até, faço um coração com nossos nomes em um dos troncos? Coração imaginário, é claro, mas abarrotado de paixão. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "Paixão adolescente" foi publicado por Notibras no dia 22/5/2025.
  • https://www.notibras.com/site/evelina-e-rodrigo-como-eduardo-e-monica/

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