Amadeu, apesar da flagrante pobreza, parecia ter nascido com o rei
na barriga. E, de tão empertigado, só percebia que havia pisado em caquinhas na
calçada, não recolhidas por donos de cachorros, quando sentia a maciez abaixo do
sapato. Soltava um palavrão e, em seguida, tentava, inutilmente, se livrar do
dejeto arrastando o solado sobre a grama ao lado. O fedor já estava impregnado.
O sujeito, para manter intacto o status,
comprava coisas que nem sabia exatamente qual a serventia. Não importava, ainda
que tivesse que fazer mais um furo no cinto para segurar as calças. Foi assim
com um globo terrestre, que fez questão de colocar sobre sua mesa no
trabalho.
Vez ou outra, quando alguém o observava,
Amadeu girava o objeto, fechava os olhos e, com o indicador da mão direita, o
parava. E, certa vez, o homem arregalou os olhos e, não tardou,
balbuciou:
— Tuvalu?
Onde diabos ficava aquele lugar? Era um
país? Oceania? O que era essa tal Oceania? Amadeu nunca fora bom em geografia
e, então, imaginou que fosse lá pelos lados de Anápolis. Mas eis que uma
colega, Patrícia, se aproximou.
— Tuvalu?
— Sim. Conhece?
— Nunca nem ouvi falar.
— Pois tô pensando em ir no final de
semana.
— Sério, Amadeu?
— Sim. Tô querendo sair direto do trabalho.
Vou até pedir pra Aline me deixar sair mais cedo.
— Hum... Vai de avião?
— Não. De carro mesmo.
— De carro?
— É.
Sem querer arranjar pendenga com o colega, Patrícia
sorriu e foi até a garrafa térmica no final da sala. Serviu-se e retornou para
sua mesa, onde uma pilha de papéis a aguardava. E, entre um gole e outro, a
moça balançou a cabeça e pensou: "Meu Deus, como é que a raça humana
conseguiu chegar até aqui?"
- Nota de esclarecimento: O conto "Com o rei na barriga" foi publicado por Notibras no dia 30/5/2025.
- https://www.notibras.com/site/viagem-a-tuvalu-logo-ali-e-de-carro-ja-imaginou/
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