Devidamente protegido de qualquer tentativa de virem a me
processar, sinto-me no direito de expor singular ocorrido nos meus tempos de
meninote, quando guardava em meu âmago a certeza de ser o próprio Garrincha da
ponta-esquerda nas areias da praia de Copacabana. Pontapés chegavam sem a menor
cerimônia, mas não me impediam de ir até a linha de fundo e cruzar para o meu
até hoje grande amigo Flavio, o Don Flavito, que, brilhantemente, cabeceava
para o fundo das redes imaginárias. Gol! Gol!! Golaço!!!
A escalação do nosso time ainda ressoa na minha mente, mesmo
que o derradeiro jogo tenha acontecido muito antes até mesmo do longínquo ano
de 1990 dar as caras. Paulinho Montanha no gol, Neném e Johnny na defesa,
Cinderela, Tunico Perneta e Lindy Gogó de Ouro no meio de campo, Don Flavito e
eu no ataque. Bons tempos de placares elásticos, tanto a favor como
dolorosamente contra. Coisas do futebol, que, invariavelmente, terminavam num mergulho
nas ondas da praia mais famosa do planeta Terra.
Sabe aqueles dias em que você não quer nada além do que
simplesmente bater bola? Nada de correr desesperado atrás de mais um gol, nada
de reclamar de uma jogada ruim ou, então, do companheiro fominha que prefere
mais um drible a passar a pelota. Pois era como meus amigos e eu estávamos nos
sentindo naquele fim de tarde de domingo, quando um grupo de rapazes mais
velhos, muito mais parrudos do que nossos corpos magrelos, nos desafiou.
— Ei, moleques, que tal uma pelada?
Não sei de quem foi a ideia de aceitar tamanho descalabro de proposta,
apesar de desconfiar que foi do Neném, que era craque em colocar nosso grupo em
apuros. Se não foi ele o culpado, fica sendo, haja vista o colossal histórico a
seu desfavor. Seja como for, não tardou, estávamos travando a batalha da nossa
vida.
Os caras eram enormes, certamente halterofilistas. E, para
nossa surpresa, o receio inicial se tornou numa das maiores goleadas do nosso
time, que massacrou aqueles grandalhões. Eles não viram a cor da bola.
Quando já estava sete a zero, eis que o Neném recuou a bola inapropriadamente
para o Paulinho Montanha. Foi a oportunidade de um dos adversários, justamente
o mais musculoso, correr, pegar a gorduchinha, quase de frente para a meta,
esticar a perna para trás para marcar o gol de honra. Só que isso não
aconteceu, pois corri lá da ponta esquerda e consegui dar um leve toque na
bola. O resultado é que o pé do sujeito chutou o vento, enquanto a pelota
correu faceira para o lado. Pra quê? O rapaz formatado em academias se virou
para mim, seus olhos faiscavam de ódio.
— Moleque, da próxima vez, eu te mato!
Obviamente que não teve uma próxima vez. Não deu outra, já que
a nossa galera saiu em debandada. E, graças à Nossa Senhora de Copacabana,
todos ilesos para comemorarmos a goleada. Que partida memorável!
- Nota de esclarecimento: A crônica "Garrincha da ponta-esquerda" foi publicada por Notibras no dia 4/5/2025.
- https://www.notibras.com/site/ja-adulto-vem-a-recordacao-do-famoso-garrincha-da-ponta-esquerda/
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