Gabriel, 30 anos, aparência agradável aos olhos femininos,
solteiro por quase convicção, falava convincente quando sóbrio... Sim, quando
sóbrio, haja vista a bebida alcóolica ser um hábito desde seus 15, 16 anos, época
repleta de inseguranças, não recusou um copo de cerveja de amigos. Quis parecer
adulto e, sem se dar conta, tornou aquilo como necessidade para se enturmar.
Enturmou-se até demais, como pode ser visto hoje em dia.
O gajo morava em um quarto e sala no Noroeste,
nobre localização do Distrito Federal. Pelo salário, daria para comprar algo
maior, mas preferia o conforto de apenas alguns passos entre o quarto, a sala,
a cozinha e o banheiro. Também poderia ter um belo automóvel, caso a
responsabilidade o abandonasse por completo. Melhor chamar um táxi ou motorista
de aplicativo, ainda mais que os hábitos etílicos continuam firmes ao seu
lado.
Bebia todos os dias, é verdade, mas somente
após sair da autarquia, onde era concursado há quase cinco anos. E fazia-o
somente até pouco antes da meia-noite, já que precisaria se recompor para o dia
seguinte. Se fosse sexta-feira ou sábado, a bebedeira poderia se prolongar um
pouco mais.
Pois bem, o que se deu foi justamente numa
sexta-feira, que se estendeu no sábado. Gabriel, que saíra com colegas do
trabalho, parece que bebeu além da conta. E, na hora de retornar, responsável que
era, acionou um Uber pelo aplicativo do celular.
Quase meia hora após, lá estava o Gabriel
debaixo do seu prédio. No entanto, não se sabe por que carga d´água, o homem
resolveu dar um passeio pela quadra. Caminhou, caminhou, caminhou até que, do
nada, avistou um enorme animal de pelos avermelhados. Que belo cachorro ruivo,
pensou o sujeito. Quis porque quis levá-lo para seu apartamento, mas eis que o
danado, arisco que nem ele só, desapareceu na escuridão.
Gabriel até pensou em correr atrás do
cachorro, mas, precavido que era, teve a certeza de que, não tardaria, iria se
estabacar no chão. Melhor retornar para o lar, doce lar, antes que algo de pior
lhe acontecesse. E foi o que fez.
Passou pelo porteiro da noite e o cumprimentou.
Mal abriu a porta, tombou no sofá e adormeceu, como se precisasse descansar por
uma eternidade, que durou até por volta das 14h, quando despertou e sentiu
aquela fome. Olhou na geladeira e nada lhe agradou. Resolveu sair para almoçar
em algum lugar.
Assim que passou pelo porteiro do dia, Gabriel
puxou conversa.
— Seu Edvaldo, o senhor sabe de quem é um
cachorro enorme, que parece estar abandonado?
—
Cachorro?
— Sim, um
de pelagem vermelha.
— Hum...
— Ele é
tão lindo, que pensei em adotá-lo.
— Seu
Gabriel, acho que sei de qual cachorro o senhor tá falando.
— O
senhor viu também?
— Vi,
sim. Mas acho que não vai dar pro senhor adotar esse cachorro, não.
— Ué, por
quê? Ele tem dono?
— Não,
seu Gabriel. É que é um lobo-guará que está andando por aqui. Deu até na
televisão.
—
Caramba, seu Edvaldo, o que o sono não faz com a gente, né?
— Pois é,
seu Gabriel, o sono é terrível.
Gabriel se despediu
e caminhou até o restaurante para saciar a barriga, que clamava por algo
substancial. Quanto ao porteiro, assim que o morador virou as costas, balançou
a cabeça e pensou: "Sono? Que sono o quê! Por acaso porre mudou de
nome?"
- Nota de esclarecimento: O conto "Gabriel, a bebida e o cachorro ruivo" foi publicado por Notibras no dia 24/5/2025.
- https://www.notibras.com/site/gabriel-30-anos-chega-de-madrugada-e-pensa-em-adotar-cachorro-ruivo/