O marido se levantava cedo, a mulher também, já que ambos
trabalhavam em locais praticamente sem graça. Ele era bancário no bairro ao
lado; ela, vendedora em uma loja de couro, quase em frente ao apartamento em
que moravam. Já o parente não precisava acordar tão cedo, pois o curso de
teatro começava apenas à tarde. Além disso, a sua pele de bebê agradecia por
aquelas horas a mais no mundo de Morfeu.
Os dias foram passando, a rotina do casal continuava sem
qualquer alteração, a não ser por conta de um furo na meia ou mesmo uma mancha
de café na camisa pouco antes de sair. Mas nada que uma quase nova não pudesse
tomar o lugar da agora suja. Por sua vez, o parente havia evoluído
substancialmente, talvez por seu talento, talvez até por conta daquela dolorosa
operação. Conseguira um papel de destaque em uma peça de teatro, onde faria
parte do famoso bando de Robin Hood.
O casal, muito animado pelo sucesso do parente, resolveu fazer
uma pequena comemoração. Compraram pizza e refrigerante, enquanto assistiam a
um filme de terror. A mulher e o marido olhavam, quase aterrorizados, as cenas
que se passavam, enquanto o parente praticamente não mostrava reação, a não ser
pelo comentário de que tinha vontade de atuar em uma produção como aquela. No
entanto, quando o monstro do filme decepou a cabeça de uma de suas inúmeras
vítimas, a esposa, talvez pela inocência, talvez até por ironia, disse para o parente:
— Eita! Esse aí se deu mal! Vai ser artista!
- Nota de esclarecimento: O conto "Vida de artista" foi publicado por 4/8/2024.
- https://www.notibras.com/site/brasiliense-sofre-no-rio-para-um-dia-ser-artista/
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