sábado, 25 de dezembro de 2021

Um caminho sem volta

    


    Houve um tempo em que não existiam exatamente camisas de um time específico. A coisa era mais ou menos assim: se você torcesse, por exemplo, para o Botafogo, teria que comprar uma camisa com listras pretas e brancas, escolher o escudo e o número, que vinham separados. Depois, caso você não soubesse costurar, pedia para a sua mãe ou sua avó para fazê-lo. Isso acontecia com praticamente todos os garotos da minha rua.

    No meu caso, adorava quando a minha camisa 8 ficava pronta. As listras pretas bem pretas, as brancas bem brancas, tudo bem nítido. Naturalmente, após algumas lavadas, a camisa ia perdendo as cores, a listras pretas já não eram tão pretas, ficavam acinzentadas, as brancas pareciam encardidas, o escudo e o número começavam a despencar. Na verdade, eu nem percebia, até que eu ganhasse outra nova. O contraste era imenso, mas era difícil deixar de usar a antiga, pois já havia muita história vivida. Minha mãe ficava reclamando: "Joga isso fora! Usa a nova!"

    Com o passar dos anos, algo me deixou incomodado, mesmo não sendo torcedor do Flamengo. É que a camisa do time da Gávea passou a ostentar um enorme anúncio da Lubrax. Pois é, o Flamengo já não era o Flamengo, mas passou a ser o Lubrax, como chamávamos na rua por pura gozação. E se um colega flamenguista viesse me contar vantagem, eu simplesmente me defendia dizendo que o time dele não existia mais, que agora era o Lubrax. Não que eu concordasse exatamente com isso. Aliás, isso era extremamente estranho pra mim, mesmo não sendo flamenguista. Mas não tinha como não associar o Flamengo ao produto da Petrobras. Ficou esquisito demais! No entanto, isso era apenas o começo de algo ainda pior.

    Não foi apenas o time do Zico que entrou nessa onda. Os outros também começaram a colocar anúncios nos uniformes. A coisa foi indo aos poucos, outros clubes passaram a aderir a essa tendência. No entanto, o caso mais emblemático que me recordo é o do Palmeiras com a Parmalat nos anos 1990, que finalmente tirou o time da seca de títulos. Durante aqueles anos, o alviverde paulista vencia praticamente tudo. Parecia a fórmula perfeita, apesar das brincadeiras das pessoas, que passaram a chamar o time do Parque Antártica de Parmalat. Pois é, a Parmalat era o melhor time do Brasil naqueles anos. Até que houve um escândalo financeiro envolvendo a tal empresa, que parou de bancar o Palmeiras. O resultado foi que o alviverde acabou sendo rebaixado em 2002 para a segunda divisão.

    Outra mudança no futebol foi a tão propagandeada disputa por pontos corridos. Muitos falavam que era a disputa mais justa, pois privilegiava a melhor equipe. Turno e returno, todos os participantes se enfrentando em jogos de ida e volta. Mas isso é algo que eu tenho dúvida, já que esse tipo de campeonato, na minha opinião, deixa o futebol muito mais previsível, uma vez que ele favorece os times mais ricos, que podem bancar um elenco de estrelas durante toda uma temporada. Não há grandes surpresas. Ou seja, viramos uma Espanha. Posso afirmar, com uma margem bem segura, que no próximo ano vai dar Barcelona ou Real Madrid por lá, mesmo nunca tendo acompanhado os campeonatos espanhóis. E isso está acontecendo por aqui também, haja vista os melhores (eu prefiro falar os mais ricos) levarem praticamente tudo. Obviamente, que essa situação teve início lá atrás, quando meus amigos começaram a chamar o Flamengo de Lubrax.

    Talvez você esteja discordando de mim, assim como a minha esposa, que está aqui ao meu lado balançando a cabeça negativamente. Ela discorda e gosta de deixar isso bem claro. É difícil, concordo, de ir contra esse sistema de comercialização exacerbada do esporte quando o seu time está por cima da carne seca. Ela é Palmeiras, o atual campeão da Libertadores. Provavelmente, no próximo ano, ganhará títulos importantes também ou, ao menos, estará entre os primeiros colocados. Não há dúvida de que o alviverde paulista é um dos clubes mais ricos do Brasil hoje em dia. E a minha mulher, torcedora dessas muito chatas, possui várias camisas oficiais do Palmeiras, todas pagas a peso de ouro. E ai de eu insinuar para ela comprar aquela ali no camelô, que me parece igualzinha. "Não é oficial!!!", ela esbravejará.

    Vivi uma situação parecida com um colega, que é desses santistas chatos, assim como a minha mulher que torce de maneira homérica pelo Palmeiras. Ele estava vestindo uma camisa retrô do Pelé, algo que vários times têm feito nos últimos anos. Esse meu amigo me falou que iria para a Alemanha brevemente, e que já havia comprado ingressos para algumas partidas de times de lá. Ele me falou que queria usar uma camisa de uma das equipes alemãs, quando eu disse que era mais legal ir com a que ele estava vestindo. Mas aí ele falou que poderia também usar outras do Santos, que ele também tem, todas oficiais. Então, eu lhe fiz uma pergunta: "Qual camisa do Santos que você pode ter que é mais importante que essa que você está vestindo? Além disso, você vai se destacar na multidão, pois essa sua camisa é conhecida até mesmo por aqueles que ainda não nasceram". Ele acabou indo pra Alemanha, vestiu a tal camisa e até fez amizade com um alemão, que reconheceu a 10 histórica de longe, se aproximou e disse que havia jogado contra o Pelé na década de 1960, quando o Santos fazia aquelas excursões internacionais. Isto é, o meu amigo jamais iria conhecer alguém que havia jogado contra o Pelé, caso estivesse vestindo outra blusa.

    Essa intensa comercialização, que parece não ter fim, fez com que vários times têm sido vendidos. Eu confesso que há muitos anos eu vi em algum lugar que o Elton John era o dono do seu clube de coração na Inglaterra. No entanto, nesses dias a minha mulher, que vive futebol a todo instante, veio me contar que o Cruzeiro foi vendido pro Ronaldo, aquele mesmo que um dia foi jogador da Raposa. Ela até brincou que há anos o Cruzeiro havia vendido o Ronaldo, que, depois, acabou comprando o clube. Agora o Cruzeiro é do Ronaldo! Não é exatamente do Ronaldo, mas ele é o maior investidor do Cruzeiro, agora uma empresa. Pior, depois ela me contou que algo parecido também aconteceu com o Botafogo, que também passou a ser uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol). "É um caminho sem volta", ela me disse. Ainda assim, fico com aquela pulguinha atrás da orelha. Afinal, empresas falem e fecham as portas. Não sei se isso realmente irá acontecer. 

    Talvez eu seja saudosista, um romântico, sei lá. Mas gosto de me lembrar da linda camisa do Botafogo, que a minha mãe costurava com carinho o número 8 e o escudo mais lindo do mundo. Não consigo me acostumar com tantos anúncios nos uniformes atuais. A blusa do meu time passou a ter várias cores, uma verdadeira poluição visual. Detalhe: acho muito legal de vez em quando algum clube lançar uma blusa de outra cor para apoiar uma campanha em prol das minorias. Isso é muito legal mesmo! Todavia, não entendo a obsessão de muitas pessoas, inclusive da minha mulher, em comprar a nova camisa oficial do time de coração. E isso é todo ano! Como se a antiga não fosse suficiente. E haja propaganda, cada vez mais propaganda e menos time.



2 comentários:

  1. É, meu AMIGO, foi-se o tempo em que time de futebol só tinha o número e o escudo do clube.
    Hoje virou um comércio desenfreado.
    Já pensou? Até a Cruz de Malta do meu Vasco da Gama, já tiraram em alguns uniformes. Não existe lugar mais pra colocar propaganda.
    Grande comércio da indústria futebolística.
    Amor ao clube? O que é isso mesmo?

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    1. Difícil mesmo! As pessoas agora torcem para a Crefisa, o BRB...

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