No meu caso, adorava quando a minha camisa 8 ficava pronta. As
listras pretas bem pretas, as brancas bem brancas, tudo bem nítido.
Naturalmente, após algumas lavadas, a camisa ia perdendo as cores, a listras
pretas já não eram tão pretas, ficavam acinzentadas, as brancas pareciam
encardidas, o escudo e o número começavam a despencar. Na verdade, eu nem
percebia, até que eu ganhasse outra nova. O contraste era imenso, mas era
difícil deixar de usar a antiga, pois já havia muita história vivida. Minha mãe
ficava reclamando: "Joga isso fora! Usa a nova!"
Com o passar dos anos, algo me deixou incomodado, mesmo não
sendo torcedor do Flamengo. É que a camisa do time da Gávea (ou seria da
Lagoa?) passou a ostentar um enorme anúncio da Lubrax. Pois é, o Flamengo já
não era o Flamengo, pois passou a ser o Lubrax, como chamávamos na rua por pura
gozação. E se um colega flamenguista viesse me contar vantagem, eu simplesmente
me defendia dizendo que o time dele não existia mais, que agora era o Lubrax.
Não que eu concordasse exatamente com isso. Aliás, isso era extremamente
estranho pra mim, mesmo não sendo flamenguista. Mas não tinha como não associar
o Flamengo ao produto da Petrobras. Ficou esquisito demais! No entanto, isso
era apenas o começo de algo ainda pior.
Não foi apenas o time do Zico que entrou nessa onda. Os outros
também começaram a colocar anúncios nos uniformes. A coisa foi indo aos poucos,
outros clubes passaram a aderir a essa tendência. No entanto, o caso mais
emblemático que me recordo é o do Palmeiras com a Parmalat nos anos 1990, que
finalmente tirou o time da seca de títulos.
Durante aqueles anos, o alviverde paulista vencia praticamente
tudo. Parecia a fórmula perfeita, apesar das brincadeiras das pessoas, que
passaram a chamar o time do Parque Antártica de Parmalat. Pois é, a Parmalat
era o melhor time do Brasil naqueles anos. Até que houve um escândalo
financeiro envolvendo a tal empresa, que parou de bancar o Palmeiras. O
resultado foi que o alviverde acabou sendo rebaixado em 2002 para a segunda
divisão.
Outra mudança no futebol foi a tão propagandeada disputa por
pontos corridos. Muitos falavam que era a disputa mais justa, pois privilegiava
a melhor equipe. Turno e returno, todos os participantes se enfrentando em
jogos de ida e volta. Mas isso é algo que eu tenho dúvida, já que esse tipo de
campeonato, na minha opinião, deixa o futebol muito mais previsível, uma vez
que ele favorece os times mais ricos, que podem bancar um elenco de estrelas
durante toda uma temporada.
Não há grandes surpresas. Ou seja, viramos uma Espanha. Posso
afirmar, com uma margem bem segura, que no próximo ano vai dar Barcelona ou
Real Madrid por lá, mesmo nunca tendo acompanhado os campeonatos espanhóis. E
isso está acontecendo por aqui também, haja vista os melhores (eu prefiro falar
os mais ricos) levarem praticamente tudo. Obviamente, que essa situação teve
início lá atrás, quando eu e os meus amigos começamos a chamar o Flamengo de
Lubrax.
Talvez você esteja discordando de mim, assim como a minha
esposa, que está aqui ao meu lado balançando a cabeça negativamente. Ela
discorda e gosta de deixar isso bem claro. É difícil, concordo, de ir contra
esse sistema de comercialização exacerbada do esporte quando o seu time está
por cima da carne seca. Ela é Palmeiras, que vem abocanhando importantes
títulos nos últimos tempos. Provavelmente, no próximo ano, ganhará títulos
importantes também ou, ao menos, estará entre os primeiros colocados.
Não há dúvida de que o alviverde paulista é um dos clubes mais
ricos do Brasil hoje em dia. E a minha mulher, torcedora dessas muito chatas,
possui várias camisas oficiais do Palmeiras, todas pagas a peso de ouro. E ai
de eu insinuar para ela comprar aquela ali no camelô, que me parece igualzinha.
"Não é oficial!!!", ela esbravejará.
Vivi uma situação parecida com um colega, o Jean Paul, que é
desses santistas chatos, assim como a minha mulher que torce de maneira
homérica pelo Palmeiras. Ele estava vestindo uma camisa retrô do Pelé, algo que
vários times têm feito nos últimos anos. Esse meu amigo me falou que iria para
a Alemanha brevemente, e que já havia comprado ingressos para algumas partidas
de times de lá.
O Jean Paulo me falou que queria usar uma camisa de uma das
equipes alemãs, quando eu disse que era mais legal ir com a que ele estava
vestindo. Mas aí ele falou que poderia também usar outras do Santos, que ele
também tem, todas oficiais. Então, eu lhe fiz uma pergunta: "Qual camisa
do Santos que você pode ter que é mais importante do que essa que você está
vestindo? Além disso, você vai se destacar na multidão, pois essa sua camisa é
conhecida até mesmo por aqueles que ainda não nasceram".
O meu amigo acabou indo para Alemanha, vestiu a tal camisa e até
fez amizade com um alemão, que reconheceu a 10 histórica de longe, se aproximou
e disse que havia jogado contra o Pelé na década de 1960, quando o Santos fazia
aquelas excursões internacionais. Ou seja, o meu amigo jamais iria conhecer
alguém que havia jogado contra o Pelé, caso estivesse vestindo outra blusa.
Essa intensa comercialização, que parece não ter fim, fez com
que vários times têm sido vendidos. Eu confesso que há muitos anos vi em algum
lugar que o Elton John era o dono do seu clube de coração na Inglaterra. No
entanto, há algum tempo, a minha mulher, que vive futebol a todo instante, me
contou que o Cruzeiro foi vendido pro Ronaldo, aquele mesmo que um dia foi
jogador da Raposa. Ela até brincou que há anos o Cruzeiro havia vendido o
Ronaldo, que, depois, acabou comprando o clube. Agora o Cruzeiro é do Ronaldo!
Não é exatamente do Ronaldo, mas ele é o maior investidor do Cruzeiro, agora
uma empresa. Quer dizer, o Ronaldo acabou vendendo o Cruzeiro para outro cara.
Pior, depois ela me contou que algo parecido também aconteceu com
o Botafogo, que também passou a ser uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol).
"É um caminho sem volta", ela me disse. Ainda assim, fico com aquela
pulguinha atrás da orelha. Afinal, empresas falem e fecham as portas. Não sei
se isso realmente irá acontecer. O Botafogo acabou ganhando títulos
importantes, é verdade, mas não sei onde isso irá parar.
Talvez eu seja saudosista, um romântico, sei lá. Mas gosto de
me lembrar da linda camisa do Botafogo, que a minha mãe costurava com carinho o
número 8 e o escudo mais lindo do mundo. Não consigo me acostumar com tantos
anúncios nos uniformes atuais.
A blusa do meu time passou a ter várias cores, uma verdadeira
poluição visual. Detalhe: acho muito legal de vez em quando algum clube lançar
uma blusa de outra cor para apoiar uma campanha em prol das minorias. Isso é
muito legal mesmo! Todavia, não entendo a obsessão de muitas pessoas, inclusive
da minha mulher, em comprar a nova camisa oficial do time de coração. E isso é
todo ano! Como se a antiga não fosse suficiente. E haja propaganda, cada vez
mais propaganda e menos time.
- Nota de esclarecimento: A crônica "Um caminho sem volta" foipublicada por Notibras no dia 18/10/2025.
- https://www.notibras.com/site/um-caminho-sem-volta/

É, meu AMIGO, foi-se o tempo em que time de futebol só tinha o número e o escudo do clube.
ResponderExcluirHoje virou um comércio desenfreado.
Já pensou? Até a Cruz de Malta do meu Vasco da Gama, já tiraram em alguns uniformes. Não existe lugar mais pra colocar propaganda.
Grande comércio da indústria futebolística.
Amor ao clube? O que é isso mesmo?
Difícil mesmo! As pessoas agora torcem para a Crefisa, o BRB...
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