- Nota de esclarecimento: O conto "A floresta" foi publicado pelo Notibras no dia 4/8/2023.
- https://www.notibras.com/site/analu-e-hugo-marcam-sua-uniao-ate-nas-trevas/
- O conto "A floresta" faz parte da Antologia "Contos de Terror - MEDO" da editora Tenha Livros, 2023.
segunda-feira, 30 de janeiro de 2023
A floresta
A linda mulher no cavalo branco
- Nota de esclarecimento: O conto "A linda mulher no cavalo branco" foi publicado pelo Notibras no dia 08/06/2023.
- https://www.notibras.com/site/sonho-de-hollywood-de-ataliba-acaba-no-cemiterio/?fbclid=IwAR0mcaANChJG944c23Yrlf2jHcoYX_3bHj4YAKLXiE8bTVHrFgCgYztK4Ik
Carlota, a observadora
- Nota de esclarecimento: A crônica "Carlota, a observadora" foi publicada pelo Notibras no dia 05/09/2023.
- https://www.notibras.com/site/quem-casa-quer-casa-e-guara-e-trocado-por-praia/
domingo, 29 de janeiro de 2023
Jaime, o filósofo de araque
Jaime, quase mudo, mantinha-se calado no trabalho, nas reuniões de família, nas festinhas de fim de ano. Gostava de se manter distante das discussões, pois preferia a paz à discórdia. E assim se mantinha livre de agressões verbais de alguém com ideias divergentes, mas também não atraía olhares apaixonados por possíveis mentes sinônimas.
Aos 60 redondos, apenas duas coisas lhe transformavam num tagarela: bebida e botequim. Não um ou outro, mas um e outro. Somente essa combinação era capaz de tal façanha. Tanto assim, que Jaime arriscava teses filosóficas, algumas tão estapafúrdias, que fariam até mesmo um energúmeno ficar com um pé atrás. Só não ficaria com os dois porque, desse jeito, tombaria para frente e daria com a fuça no chão.
Uma das teses mais sem-noção foi a que Jaime tentou explicar naquele final de tarde no Boteco Benfica, famoso bar ali em Copacabana. Com um copo de chope na mão esquerda, Jaime ergueu a direita e afirmou com todas as letras: "O samba foi criado por um gaúcho que se chamava Castro!" Todos os pinguços presentes encararam o Jaime, que já estava pra lá de calibrado.
O filósofo de botequim pediu a atenção de todos, pois iria explicar. Entretanto, o que disse logo em seguida pareceu mais uma baboseira, como tantas outras que já haviam saído daquela boca. Deu um longo gole no chope, limpou o bigode com a língua, pousou a taça sobre o balcão.
_ Pois bem, meus amigos! O Castro, lá no final do século XIX, estava batucando numa mesa, quando seus amigos, admirados, se aproximaram. Ali também se encontrava o Samuel, que todos conheciam por Sam. Curioso, ele perguntou para o Castro que música era aquela. O Castro, como todo gaúcho que se presa, respondeu: "Sam, bah! Sonhei com isso e gostei".
Diante de tamanha asneira, o Boteco Benfica esvaziou quase que instantaneamente. Outra consequência dessa teoria estapafúrdia foi o cartão vermelho que o Jaime tomou imediatamente. Dizem que o gancho durou o verão inteiro.
- Nota de esclarecimento: O conto "Jaime, o filósofo de araque" foi publicado por Notibras no dia 20/1/2024.
- https://www.notibras.com/site/jaime-filosofo-de-araque-explica-origem-do-samba/
Abigail, a aristocrata
- Nota de esclarecimento: O conto "Abigail, a aristocrata" foi publicado pelo Notibras no dia 5/2/2023. A pedido da direção do Notibras, foi feita pequena alteração no texto para que a história se passasse no Distrito Federal.
- https://www.notibras.com/site/abigail-aristocrata-mudou-madame-lola-geral/
sábado, 28 de janeiro de 2023
Ariosvaldo, o ladrão
- Nota de esclarecimento: O conto "Ariosvaldo, o ladrão" foi publicado pelo Notibras no dia 28/6/2023.
- https://www.notibras.com/site/ariosvaldo-ladrao-trapalhao-leva-cadela-e-deixa-joias/
quarta-feira, 25 de janeiro de 2023
Se faz sucesso é bom!!! É mesmo???
Lindy Naldo Marcio Petracco
Pois bem, depois de algum tempo, percebi que o meu colega não estava de todo errado. Quer dizer, não digo que não estivesse, talvez eu tenha escolhido as palavras erradas. O que quero dizer é que a atitude dele é comum entre boa parte das pessoas, que prefere ser direcionada por algum "especialista" para o que é bom ou não. Isso é péssimo!!!
Provavelmente você deve estar com a pulga atrás da orelha. Afinal, quem sou eu para ir contra a análise quase científica de um crítico, seja musical, seja literário, seja de qual especialidade mais lhe convier? Bem, é simplesmente porque quem faz sucesso não é necessariamente bom. Aliás, tem muitos artistas, alguns bem famosos, que são péssimos! Todos sabemos disso, mas a maioria não se atreve a dizer. Obviamente que também há aqueles incrivelmente talentosos, que podem ou não ter fama.
Para não me alongar, vou citar um artista não famoso, que é um dos cantores dos quais mais aprecio. Já cansei de assistir a shows e mais shows dele. O nome da criatura? Ah, Lindy Naldo! Talvez você, que more no Rio de Janeiro, já tenha assistido a algum espetáculo do Lindy, ainda mais se frequenta Copacabana. Excelente cantor, muito eclético, carismático, é o que costumamos dizer tudo de bom!!!
Aproveitando que estamos falando de Copacabana, basta bater perna pelo calçadão mais famoso do mundo, onde você poderá facilmente se deparar com vários artistas maravilhosos, sejam pintores, escultores, músicos. Tal local é um reflexo do que ocorre no restante do país, repleto de pessoas extremamente talentosas, mas que ainda não tiveram o reconhecimento de um "especialista" para se consagrarem. Provavelmente, nunca terão.
Da Cidade Maravilhosa, vamos dar um pulo até a linda Porto Alegre. Pois é, ali mora um grande músico chamado Marcio Petracco. É possível que esse nome não lhe seja estranho, já que o Marcio foi integrante da antiga banda TNT, que apareceu até mesmo no Show da Xuxa, entre outros programas da televisão.
O TNT não existe há tempos, para desespero de alguns fãs, que ainda hoje pedem o seu retorno. Acreditem!!! Isso é verdade, ainda mais se você é da capital gaúcha. Creio que o TNT está para Porto Alegre assim como os Beatles estão para Liverpool. Exagero? Talvez seja.
A antiga banda do Marcio era ruim? Não. Era boa? Prefiro não responder, mas você pode facilmente fazer uma pesquisa na internet ou acessar algumas músicas no Spotify. Tire as suas próprias conclusões. Afinal, não sou um "especialista" no assunto. Todavia, já que você está tão disposto para descobrir coisas sobre o TNT, aproveite e busque algo também sobre o que o Marcio Petracco anda fazendo.
Pois é, o antigo guitarrista dessa extinta banda gaúcha, na sua incessante busca musical, trilhou caminhos que, talvez, não chame a atenção daquele tal "especialista". É que o Marcio está longe das rimas fáceis, das batidas previsíveis, da "nova onda" que a todos contagia, desde que respaldada pelo consentimento prévio do "especialista". É verdade que o Marcio quase não aparece na mídia, especialmente na televisão. Entretanto, toda vez que se apresenta, a plateia, mesmo que seja composta por apenas algumas dezenas de indivíduos, fica extremamente eufórica. O cara é bom!!!
Outra questão sobre a fama é a situação do artista que se torna refém do próprio sucesso. Não raro, um cantor é quase obrigado pelo público a cantar sempre as mesmas músicas. Isso, aliás, pode tornar sua carreira extremamente limitada, pois muitos temem a rejeição do próprio público que o aplaude.
Artistas extremamente famosos, inclusive megaestrelas mundiais, são afetados por isso. Caso você não acredite, faça uma pequena busca na internet e assista aos shows do Elvis ou dos Rolling Stones. As músicas, até em espaços de anos, se repetem. O próprio Marcio sofre um pouco com esse quadro, já que é comum ele se apresentar em algum local e as pessoas o instigarem a cantar os antigos sucessos do TNT.
Voltando ao meu amigo anônimo, que se chama Almeidinha, parece que ele anda lendo minhas crônicas e contos. Não sei o que o levou a mudar de ideia. Talvez seja porque soube que alguns textos de minha autoria andam saindo pelo Notibras.
- Nota de esclarecimento: A crônica "Se faz sucesso é bom!!! É mesmo???" foi publicada pelo Notibras no dia 26/09/2023.
- https://www.notibras.com/site/subir-sem-ter-caido-e-porque-e-bom-e-faz-sucesso/
sábado, 21 de janeiro de 2023
Godofredo, Onofrina e Café
Não demorou, o rapaz pegou o filhote no colo. Pela sua experiência, que na verdade não era muita, supôs que aquele cachorro deveria ter no máximo um mês, talvez até dois. Não tinha certeza disso nem se a mãe, Onofrina, aceitaria um novo inquilino no barraco.
Não só aceitou, como o acolheu com muitos mimos. A despeito de tais agrados, Café não desgrudava do Godofredo. Mas também andava nos calcanhares da Onofrina, especialmente para pegar uma migalha de pão. A mulher, por sua vez, não conseguia resistir àqueles olhos pidões.
Café deu uma espichada, mas nada que lhe fizesse alçar à categoria dos cães médios, muito menos dos grandes. Era pequeno e olhe lá. Alguns o classificavam de quase rato, mas não como as robustas ratazanas da região. Café não passava de um camundongo! Tanto é que amava se aconchegar nas mãos do Godofredo.
No primeiro aniversário, o cachorro ganhou de presente uma salsicha. Ele a devorou quase que instantaneamente. Todavia, eis que passou quase uma semana vomitando os bofes, além de emporcalhar a casa com uma diarreia daquelas. Não morreu por milagre ou, então, devido aos cuidados da Onofrina e do Godofredo, que sofreram quase tanto quanto o bichinho por dias.
Veio o segundo ano de vida do vira-lata. Nada mais de salsicha. Ganhou uma bolinha, que passou a ser o seu brinquedo preferido. E não importava quantas vezes Godofredo jogasse a bolinha, lá ia o cãozinho buscá-la. E ficavam assim por algum tempo, até que o Café era mais língua que cachorro.
Os anos seguintes vieram com uma rapidez não percebida por aquela gente. Godofredo já passara dos 30, mas continuava fiel ao seu companheiro, que já não tinha forças para correr atrás da bolinha. Esta, de tão gasta pelo tempo, permanecia intacta no canto do quarto. Onofrina continuava deixando as migalhas de pão caírem da mesa, que eram devoradas pelo agora quase desdentado Café.
Pouco antes do dia de finados, Café decidiu antecipar a sua partida. Dormiu nas mãos do Godofredo e não mais despertou. Ou, se o fez, deve ter sido no Céu dos cães, onde, dizem, há muitas migalhas de pão.
Foi uma comoção só! Com o coração apertado, lá foi o Godofredo enterrar seu melhor amigo. Arrumou uma caixinha de papelão, quase igual àquela na qual encontrou o Café. Acomodou-o cuidadosamente e o enterrou ali em frente ao barraco. Chorou todas as noites possíveis abraçado à mãe, que também verteu muitas lágrimas.
Apesar dos quase 10 anos seguintes, Café ainda era assunto recorrente entre mãe e filho. Entretanto, aquela dor da perda passara, há tempos, a lembranças de momentos de alegria vividos pelo então trio.
Certa manhã, Godofredo acordou com um sorriso no rosto. Havia sonhado com o Café, que corria atrás da bolinha em um lindo gramado verdinho. Não teve dúvida, foi jogar no jogo do bicho.
Ganhou uma bolada! Não ficou rico, é verdade, mas deu entrada num quarto e sala na rua lá embaixo. Fez a mudança assim que possível.
Já instalados na nova moradia, Godofredo deu de presente para a mãe um jarro de flores, mas sem flores. Apenas terra e nada mais. Onofrina apenas observou o filho depositando aquele objeto ao lado do sofá. Em seguida, Godofredo enterrou alguns ossinhos no vaso. A mãe, com os olhos marejados, abraçou o filho
_ Eu sabia que você faria isso. Você não abandona os que ama!
- Nota de esclarecimento: O conto "Godofredo, Onofrina e Café" foi publicado pelo Notibras no dia 25/01/2023. Por solicitação do editor, a história sofreu uma leve mudança para que se passasse no Distrito Federal.
- https://www.notibras.com/site/godofredo-onofrina-e-cafe-uma-historia-de-amor/
segunda-feira, 16 de janeiro de 2023
Luzia, a baixinha
Da sua pequena cidade natal no Maranhão, foi ainda bem jovem tentar a sorte no Rio de Janeiro. Arrumou um emprego em uma loja de couros ali na rua da Passagem, em Botafogo. Toda sorriso, logo conquistou os clientes, que só queriam ser atendidos por ela. O patrão, obviamente, gostou, já que os lucros aumentaram substancialmente.
Não demorou, a maranhense passou a ser conhecida naquela parte do bairro. Dessa forma, toda vez que saía para fazer algo na rua, era parada para uma conversa, mesmo que fugaz, com alguém, seja o porteiro de um dos edifícios, seja o atendente da lanchonete na esquina, seja até mesmo um dos ambulantes ali pertinho do metrô. De tão enturmada, Luzia já se sentia parte daquele lugar, apesar da saudade da sua terra ainda lhe fazer companhia, especialmente nas noites solitárias.
Naquela manhã, tudo parecia como nos dias anteriores. Calçou a sua rasteirinha e foi trabalhar. Já na loja, Luzia andava de um lado para o outro, tentava dar atenção a toda aquela gente, que parecia só querer ser atendida por ela. Que correria! Todavia, pareceu valer a pena, pois, quase no final do expediente, eis que a maranhense recebeu uma polpuda gorjeta de um senhor, que nem era freguês de longa data, mas que de cara se simpatizou pelo largo sorriso da jovem mulher.
Final de expediente, Luzia foi caminhar pela calçada da rua Voluntários da Pátria, quando se deparou com uma vitrine cheia de manequins usando vestidos, saias e blusinhas. Diante do vidro, bem que se imaginou com aquelas roupas. Com certeza algumas lhe cairiam muito bem, pois formosura era o que não faltava naquele corpo trigueiro.
Quase decidida a gastar a sua pequena loteria, eis que ela desviou o olhar para o canto. Ficou encantada por aquele sapato de salto alto. Vermelho! Totalmente vermelho, caso não fossem pelas pequenas fivelas prateadas que lhe conferiam um ar de sofisticação ainda maior. Não teve dúvida! Comprou aquele mimo!
Mal chegou ao seu pequeno apartamento, jogou a rasteirinha para debaixo do sofá. Seus pés deslizaram por aquela forma delicada, como se fosse uma criança brincando no escorrega de um parquinho qualquer. Ergueu-se de tal forma, que todas as vértebras de sua coluna pareceram estalar. Caminhou até o enorme espelho do seu quarto. No entanto, antes que pudesse se apreciar, a campainha tocou.
Era Josivaldo, o porteiro. Ele, que até era alguns milímetros mais alto que Luzia, se surpreendeu quando ela o atendeu. Graças aos quase 15 centímetros de salto, a maranhense o olhava de cima para baixo. Luzia se sentiu poderosa!
- Nota de esclarecimento: O conto "Luzia, a baixinha" foi publicadp pelo Notibras no dia 23/7/2023. Por solicitação da redação do jornal, foi acrescentado um parágrafo para incluir Brasília na história.
- https://www.notibras.com/site/saindo-do-maranhao-para-brasilia-via-rio-de-janeiro/
sábado, 14 de janeiro de 2023
Valdete e o carnaval
Valdete havia se casado antes dos 16, quando acabou engravidando do primeiro namorado, Carlos. Já com os filhos criados, pensou até em arrumar um emprego, mas foi desencorajada pelo marido, que gostava de ser o provedor. No entanto, o salário era curto para atender até mesmo as necessidades básicas.
Questão de honra resolvida, Carlos sempre arrumava uma desculpa para suas escapadas. Não foi diferente naquela véspera de carnaval, quando ele disse que precisava viajar a trabalho. Valdete, talvez cansada do marido, gostou da ideia, mas fingiu tristeza.
_ Você precisa mesmo ir, meu amor?
_ Minha flor, o chefe pediu. E a gente está precisando dessa grana.
No sábado, a mulher acordou sozinha na cama. Abriu os braços, se espreguiçou toda, sorriu para o teto. Passaria um feriado sozinha. Nada de cozinhar, lavar, passar, varrer a poeira pra calçada. Aos 40, estava finalmente se sentindo um pouco livre, mesmo que tal liberdade tivesse prazo de validade.
Demorou a se levantar, até que sentiu vontade de ouvir um samba na voz da sua favorita: Beth Carvalho. Colocou "Vou festejar" e até arriscou uns passos, que resgatou das longínquas memórias de um antigo baile, quando não passava de uma menina espevitada ali mesmo em Madureira. Sambou!
No final da manhã, xícara de café na mão, foi olhar o movimento da rua. Algumas pessoas festejando, mas nada comparado às saudosas lembranças de Valdete. Bateu-lhe um sentimento de nostalgia, como se tudo no passado fosse melhor. Talvez estivesse certa, talvez fosse apenas o desejo de voltar a ter aquele corpinho de mocinha na flor da idade. Não que ela não fosse atraente, pois ainda sabia se fazer desejada.
Sentiu um pouco de fome, preparou um sanduíche de queijo e presunto. Entediada, largou quase metade no prato. Perambulou pela casa vazia. Sentou no sofá da sala, pegou uma das almofadas ao lado e, carente, a abraçou bem forte. Acabou por adormecer ali mesmo.
Valdete despertou com o som de pagode vindo da rua. Levantou e, descalça, caminhou até a janela, de onde pode vislumbrar um bloco de carnaval. Aqueles corpos felizes fizeram a mulher querer participar daquele cortejo. A dúvida, porém, a impediu por alguns instantes. Pois é, não demorou e lá estava a Valdete sambando toda sua alegria reprimida por anos.
Como o tempo voa quando estamos felizes, a noite logo chegou. O bloco ganhou vários outros adeptos, entre os quais o Luiz, homem forjado ali mesmo no famoso bairro carioca. Viúvo, desde então não conseguiu se firmar em relacionamento sério. Não que não quisesse, pois não gostava de ficar pulando de galho em galho. Mas as tentações eram tamanhas, que ele acabou se acostumando com a situação.
Lá pelas tantas, calhou daqueles dois se encararem. Valdete, a princípio, desviou os olhos, mas logo encarou aqueles olhos escuros do Luiz. Os dois sorriram, meio sem jeito, é verdade. Seja como for, não demorou e estavam dançando bem pertinho, pertinho até demais. Mas era carnaval e, por isso mesmo, estava tudo bem.
Não tardou e o "Deixa disso!" se transformou no "Que beijo gostoso você tem!" Terminaram a noite no pequeno apartamento do Luiz, onde se amaram até perderem as forças para mais uma roda de samba.
No início da tarde, Valdete, totalmente despida, despertou assustada, como se não se lembrasse de onde estava. Luiz, bem à sua frente, lhe trazia uma bandeja com café, leite, manteiga e algumas torradas. Ele sorriu, ela sentiu vontade de cair nos seus braços novamente. E foi o que fez, enquanto o café esfriava na bandeja ao lado.
Valdete e Luiz sambaram e se amaram em todos os dias de carnaval, até que, já na manhã da quarta-feira de cinzas, os dois se despediram. Promessas de que ainda se veriam, mas nem eles sabiam se seriam cumpridas. Ela voltou para sua casa, onde seu marido não tardou a chegar.
Carlos estava bronzeado, como se tivesse passado esses dias na praia. A esposa não pareceu ligar, talvez nem tenha percebido, pois seu pensamento estava envolvido nos braços de Luiz.
_ Minha flor, que olhar mais triste é esse? Sentiu falta do seu Carlão?
_ Você nem imagina o quanto, meu amor!
- Nota de esclarecimento: O texto "Valdete e o carnaval" saiu na coletânea "E o Carnaval Voltou!" da editora Persona, de 2023. O texto de orelha de tal livro é de autoria de Eduardo Martínez.
- O conto "Valdete e o carnaval" foi publicado por Notibras em 10/2/2024.
- https://www.notibras.com/site/esposa-traida-cai-na-folia-como-nova-colombina/
- O conto "Valdete e o carnaval" da Coletânea Aconteceu num Carnaval, do Projeto Apparere da editora Perse, 2024.
Um dia na vida de Adélia
- Nota de esclarecimento: O conto "Um dia na vida de Adélia" foi publicado pelo Notibras em 20/10/2023.
- https://www.notibras.com/site/um-dia-na-vida-de-adelia-sem-pancho-com-menina/
sexta-feira, 13 de janeiro de 2023
Sorvete de abacaxi
- Nota de esclarecimento: A crônica "Sorvete de abacaxi" foi publicada pelo Notibras no dia 02/08/2023.
- https://www.notibras.com/site/pegadinha-de-morango-faz-casal-viver-amor-eterno/
quinta-feira, 12 de janeiro de 2023
Argemiro, o deprimido
Se chovia, Argemiro queria sol. Se fizesse aquele tempo de se esbaldar na praia, eis que ele rogava pra que São Pedro abrisse todas as torneiras do céu. Vivia de lamúrias, como se elas lhe fossem sopros de vida, mesmo que ele desejasse a morte a todo instante.
Carregado de angústias, Argemiro decidiu naquela manhã terminar com tudo. Olhou-se no espelho do banheiro, pensou em fazer a barba. Deixou pra lá tal ideia, até que mudou seu pensamento. Não queria deixar para ninguém a tarefa de lhe passar a navalha na face para dar uma aparência melhor ao defunto.
Escolheu o terno mais apropriado com a aura que o perseguia. Cinza chumbo, tão pesado que os ombros se curvavam. Não suportando mais tamanha tristeza, pegou o ônibus direto para o cemitério São João Batista, ali em Botafogo. Apesar dos inúmeros assentos disponíveis, preferiu continuar no seu calvário, tão firme como um castelo de areia. Manteve-se em pé.
Desceu cinco pontos após o São João Batista. Era questão de honra vencer mais alguns bons quilômetros com aqueles sapatos apertados, dois números abaixo do seu. O sol escaldante batia justamente sobre a sua calvície avançada. A pele do cocuruto estava tão castigada, que o vermelho a tomava por completo.
Decidido, transpôs o portão do cemitério. Queria porque queria acabar com a própria vida diante do túmulo da sua finada mãe. Pensou que ele estaria mais à direita, mas não o encontrou. Caminhou no sentido oposto, mas nada de encontrar o local do repouso final da sua genitora. Cansado, acabou por se sentar diante de uma lápide, onde havia a fotografia carcomida de uma velha e, logo abaixo, as seguintes palavras: "Tá fazendo o quê aqui? Vá à praia!!!"
- Nota de esclarecimento: O conto "Argemiro, o deprimido" foi publicada pelo Notibras no dia 14/8/2023. Por uma solicitação da redação do jornal, foram feitas algumas modificações no texto para que a história se passasse no Distrito Federal.
- https://www.notibras.com/site/lapide-carcomida-faz-argemiro-ir-para-a-praia/
Cleide, Renê e o xis
Poucos sabiam, no entanto, que os dois eram seres humanos muito competitivos. Não gostavam de perder, mesmo que fosse em uma simples adivinhação de qual a cor da blusa da próxima pessoa que iria cruzar a esquina. Todavia, esse espírito de competição não os afastava. Pelo contrário, eram cada vez mais unidos, tipo queijo e goiabada.
Apaixonados por futebol, torciam ferozmente para o mesmo time. Aliás, essa foi a desculpa que os aproximou há quase uma década, quando os dois estavam sentados em mesas próximas em um bar durante uma final de campeonato. Foi pouco depois de um lance de quase gol que aqueles dois trocaram olhares pela primeira vez.
Não tardou, lá estavam os dois novamente no mesmo bar assistindo a outra partida de futebol. Atrevida, Cleide fez questão de escolher uma mesa ainda mais perto da que Renê já se encontrava. Ele até pensou em convidá-la para se juntar ao grupo, mas lhe faltou coragem ou, como alguns preferem, a timidez o impediu de tal intento.
Restou à Cleide a tarefa de tomar a iniciativa. Assim que o primeiro tempo terminou, ela se levantou e, olhando diretamente para os olhos do seu alvo, foi até a mesa ao lado. Ela se apresentou e disse que havia se encantado com a semelhança dele com a do ator Robert Redford. Renê sorriu e, finalmente, a convidou para se sentar ao seu lado.
A atração entre os dois foi tamanha, que mal esperaram o jogo terminar. Foram direto para o motel mais próximo, onde se amaram até a manhã seguinte. Não trocaram promessas, apenas os números dos telefones. E foi o que bastou para que logo se envolvessem de maneira tão intensa, que não suportavam mais a ideia de morarem separados.
Juntaram os trapos e, desde então, se amam cada vez mais. Todavia, ainda guardam aquele sentimento de competição, como aconteceu num dia desses, quando estavam naquele mesmo bar assistindo a outra final do time do coração. Pediram um xis, que é uma espécie de rei dos sanduíches. Enorme!!! Renê, com os olhos enfastiados, passou a mão na barriga.
_ Ah, se eu comer mais um pedaço, explodo!
_ Você é fraco! Te falta ódio!
- Nota de esclarecimento: A crônica "Cleide, Renê e o xis" foi publicada pelo Notibras no dia 15/8/2023. Por uma solicitação da redação do jornal, foi feita pequena alteração no texto para que a história fizesse referência ao Distrito Federal.
- https://www.notibras.com/site/cleide-rene-e-o-xis-de-comilanca-e-odio/
quarta-feira, 11 de janeiro de 2023
O namorado de Vila Isabel
Pois bem, o nome do nosso herói, que não tinha superpoderes
nem a fisionomia dos galãs de Hollywood, era Noel. Ele, no entanto, apesar da
aparente falta de atrativos, conquistava as mulheres, inclusive algumas
distintas senhoras casadas, apenas com a sua capacidade única de juntar um
monte de palavras, que encantava toda a cidade do Rio de Janeiro. Sim, o gajo
era compositor. Aliás, o maioral quando o assunto era samba!
E lá estava o Noel, que andava enrabichado por uma tal
Ceci, tomando aquele banho caprichado para se encontrar com a amada. A moça,
segundo me consta, era muito requisitada por todos cavalheiros distintos da
cidade, desejosos de carinhos e afagos, logo ali na Lapa, bairro boêmio. Entretanto, apesar da profissão malvista pela parte feminina da sociedade, o nosso
sambista parecia não se importar com as fofocas.
De banho tomado, toalha felpuda enrolada na cintura, lá foi
o Noel para o seu quarto. Tratou logo de vestir a sua samba-canção, enquanto
vasculhava o armário à procura da mais bela camisa de cetim. Qual foi a sua
surpresa ao descobrir que todas haviam sumido, inclusive aquela que comprara na
quinta-feira ali mesmo na loja do seu José, na esquina com a Teodoro da Silva.
O rapazola, mais que depressa, pôs a boca no trombone.
Questionou a dona Marta, sua mãe. Esta, por sua vez, a princípio, se fez de
desentendida. Não queria entrar em atrito com o filho, que sabia era turrão.
Mas não adiantou, pois Noel saiu do quarto quase como veio ao mundo, caso não
fosse por aquela samba-canção. A velha deu-lhe de ombros, como a se preocupar
com a teia de uma aranha que há muito se alojara bem no alto do lustre da
sala.
Com uma visão privilegiada, o aracnídeo a tudo observava.
Com certeza tentando imaginar o que era aquela algazarra lá embaixo. Já
conhecia aqueles dois humanos de outros carnavais. Todavia, não se lembrava de
ter visto aquele rapaz em tão poucas vestes. Quis até se fazer de tímida e, por
um instante, virou os quatro pares de olhos para o teto. Isso não durou muito,
nada além de alguns míseros segundos.
Mais poderosa até que o veneno de suas quelíceras, a
curiosidade aguçou aquela aranha. Agora, sem o menor pudor, voltou todos seus
olhos lá para baixo. Para os mais atentos, poder-se-ia dizer, sem medo de
cometer qualquer exagero, que aquela aranha apresentava um sorriso. Sim, um
sorriso! Não um sorriso vulgar. Mas daqueles que emolduram os rostos dos
cínicos.
Noel, alheio a tudo que acontecia bem acima de sua cabeça,
estacou diante da sua genitora. Essa o observou de cima a baixo, com aquele ar
de superioridade que todas as mães sabem que possuem. Não adiantou. O filho,
intransigente, começou a reclamar.
— Senhora
minha mãe, cadê minhas camisas?
— Mandei
todas pro tintureiro.
— Todas?
— Sim!
Todas estavam com marcas de batom.
— Marquei
com a Aracy. Vou lhe mostrar um novo samba.
Dona Marta pareceu não dar ouvidos ao filho, que
insistiu na contenda:
— Senhora
minha mãe, mas com que roupa eu vou?
Bem, não se sabe se essa história realmente aconteceu ou, então, é mais um fruto da vasta imaginação popular. Seja como for, dizem, foi daí que o Noel tirou a ideia para um dos seus sambas mais famosos.
- Nota de esclarecimento: O conto "O namorado de Vila Isabel" foi publicado pelo Notibras no dia 16/10/2023.
- https://www.notibras.com/site/noel-sob-teia-de-aranha-procura-roupa-para-sair/
terça-feira, 10 de janeiro de 2023
Paulão, o churrasqueiro
Apesar de não ser tão fã assim de carne, passei a semana inteira pensando mais no churrasco do que no trabalho. Fiquei sabendo que o churrasqueiro oficial do DEREG era o Paulão, que trabalhava na empilhadeira. Ele era um cara enorme, não tanto pela altura, mas pelo peso. Por volta de 1,80 m, pesava uns 180 kg no mínimo. Aliás, ele sempre tinha uma frase na ponta da língua para mim: "Dudu, você nunca terá o meu peso, mas um dia eu terei o seu".
Quando chegou o dia tão esperado, todos estavam sorrindo mais que de costume. O Antonio Manoel, meu grande amigo até hoje, era o mais animado, mesmo porque sempre foi réu confesso quanto a nunca ter sido muito afeito ao trabalho. A Sonia, a Kênia, a Keila, o Nilsinho, o Anibal, o Samuel, o Antonio Costa, o Serginho, o Divino, o Marquinhos, o Marcão, o Clarinho, o Luís, o Rodina, o Tadeu, todos sorrindo de orelha a orelha.
E lá estávamos no refeitório do DEREG, onde havia até karaokê para quem quisesse arriscar uma de cantor. Eu, que até então desconhecia os dotes artísticos do Samuel, fiquei impressionado. Imagine uma mistura de Sidney Magal com Altemar Dutra. Pois é, creio que isso é o mais próximo do que é a poderosa voz do Samuel, ou Samuca, como alguns o chamavam.
Eu ainda não havia comido, quando a Sonia, sempre muito atenciosa com todos, veio me oferecer um pratinho abarrotado de carne e linguiça. Agradeci e me sentei numa mesa com alguns colegas. A carne era deliciosa, como jamais havia provado. O tempero era algo que eu não conseguia distinguir muito bem. Todavia, jurei a mim mesmo que era o melhor churrasco que havia comido em toda a minha vida.
Conversa vai, conversa vem, eis que o prato logo se esvaziou. Então, como eu era o mais novo integrante daquela trupe, fiz questão de me levantar para buscar mais carne. Fui até a churrasqueira, que ficava no fim do salão. Foi aí que percebi de onde vinha esse gosto tão diferente, que havia me conquistado. É que o Paulão, quase grudado à churrasqueira, suava em bicas sobre a carne na grelha.
- Nota de esclarecimento: A crônica "Paulão, o churrasqueiro" foi publicada pelo Notibras no dia 28/07/2023. Por uma solicitação da redação do jornal, foi feita pequena alteração no texto para que o Distrito Federal fosse incluído.
- https://www.notibras.com/site/suor-na-grelha-da-mais-sabor-e-ansia-de-vomito/
Marcio, Helena, Lucas e a água
Dizem que essa história aconteceu em Porto Alegre. Na verdade, eu até sei os nomes dos personagens: Lucas, Marcio e a sua filha, a pequena Helena, que não é a de Troia, mas bem que poderia ser, tamanha a sua capacidade de captar os olhares de todos. Magnetismo puro, apesar dos seus oito anos, quase nove.
Pois bem, o Marcio havia matriculado a menina em uma aula de natação. E lá estavam os dois saltitando pelas largas calçadas da capital gaúcha, quando, de repente, surgiu o Lucas. De tão amigo do Marcio, o Lucas fez questão de acompanhá-lo nessa missão importantíssima para o futuro da natação nacional. Afinal, vai que a Helena se torne uma prodígio nesse esporte e ganhe várias medalhas nas próximas olimpíadas.
Durante o trajeto, Helena, tagarela como ela só, disse que sua avó materna era judia. Lucas sorriu e falou que ele era judeu. Até falou que o seu sobrenome era Hoffmann. Pronto! Formou-se um laço quase instantâneo por conta dos elos de uma história marcada por perseguições. Tanto é que o Marcio, que é Petracco, se sentiu um pouco deslocado da conversa. Todavia, curioso como ele só, quis saber como aquele bate-papo iria terminar.
A conversa sobre o povo judeu prosseguiu até pouco depois do trio entrar no clube, onde a pequena Helena iria seguir os seus firmes passos até o ponto mais alto nos futuros jogos olímpicos. Isso se a professora, uma mulher enorme, cabelos loiros, olhos azuis mais azuis até que os azulejos da piscina, não começasse a gritar ordens e mais ordens. Só faltou exigir que todos os alunos lhe fizessem continência.
A aula prosseguiu, a pequena Helena parecia resistir a qualquer impropério da professora de natação. Já o Marcio queria porque queria arrancar a sua garotinha das garras daquela enorme mulher, que parecia uma caricatura de militar de pantufas. Todavia, foi contido pelo Lucas. Ademais, a professora era bem maior do que o Marcio. Perigava ele tomar uma surra.
Terminada a aula, Helena foi direto para o vestiário a fim de se trocar. O Marcio, todo orgulhoso, imaginou que a sua filha era durona, pois havia resistido a tanta brutalidade. No entanto, assim que a menina saiu, ele percebeu que estava enganado. A pequena Helena surgiu com o rosto mais choroso que uma menina de quase nove anos poderia ter. Os dois se abraçaram e choraram juntos.
O Marcio disse para a filha não se preocupar, pois ela não precisaria ser uma campeã de natação. Ele falou para a Helena que ela já sabia nadar muito bem cachorrinho. Aliás, esse estilo de nado ela havia aprendido muito mais com o Coco e o Cacau, que são os dois cachorros do Marcio, do que com ele. É que o Marcio não é o que podemos chamar de grande adepto das braçadas em águas com mais de 30 centímetros de profundidade. O lance dele é mesmo a música.
O Lucas ficou tão emocionado com a situação, que foi abraçar aqueles dois. Nisso, a Helena fez um bico e disse que estava com sede. O Lucas, então, disse que iria pagar uma água para a menina, que sorriu aquele sorriso mais largo do que boca de sapo.
Já no caminho de volta, Lucas se despediu do amigo e da menina. O Marcio e a Helena continuaram a caminhada. Nisso, ele para e pergunta para a filha se ela está melhor. A menina, ainda com a garrafa de água nas mãos, responde: "Estou ótima! Eu só queria ver se eu conseguia fazer o Lucas me pagar uma água".
- Nota de esclarecimento: O conto "Marcio, Helena, Lucas e a água" foi publicado por Notibras no dia 18/1/2024.
- https://www.notibras.com/site/cara-de-choro-faz-judeu-abrir-carteira-e-pagar-agua/