terça-feira, 4 de outubro de 2022

Petrolino e a derrota esmagadora do seu time

 

    Petrolino Augusto dos Anjos Filho, devoto de Nossa Senhora, tentava levar uma vida em paz, apesar do temperamento, de vez em quando, lhe saltar do peito e começar a destilar todo aquele rancor engasgado. Todavia, naquela manhã, enquanto chacoalhava um tanto de água no rosto, olhou-se no espelho e prometeu a si próprio que manteria a calma, apesar das já esperadas provocações por conta da derrota esmagadora do seu time de coração: 5 x 1, de virada, contra o maior rival. 

   Já em frente ao portão, aprumou-se todo antes de pisar na calçada. As pernas, teimosas, pareciam estacar. Foi preciso certo esforço mental para que Petrolino conseguisse finalmente dobrar o quarteirão e, mais algumas centenas de metros, chegar ao trabalho. 

    Mal entrou, foi cumprimentado pelos vastos sorrisos dos colegas, a maioria torcedora do algoz. Sério, até mesmo carrancudo, o pobre torcedor conseguiu atravessar aquele verdadeiro corredor polonês e, já na sua saleta, observou a janela. Deu uma olhadela, mas não gostou do que viu: umas cinco ou seis pessoas caminhando com as cores rivais. No entanto, para Petrolino, aquilo parecia uma multidão.

   Voltou-se para sua mesa e pensou, quase em voz alta, até como uma forma de esquecer aquela humilhação: "Petrolino, foco no trabalho!" E foi justamente o que tentou fazer, apesar dos flashes que vinham e iam, vez ou outra, durante toda manhã. Tanto é que nem percebeu quando deu a hora do almoço, de tão entretido estava com um serviço prometido para dali a dois dias. Foi preciso um dos colegas avisá-lo, mas Petrolino, absorto no que fazia, respondeu que iria logo após. 

    Ao chegar ao restaurante de costume, percebeu o grupo do trabalho sentado à mesa de sempre. Acenou com a mão, enquanto passava pela fila do self-service. Um pouquinho de arroz, feijão, aquela saladinha no canto, um bom pedaço de carne e aquela montanha de farofa. Depois foi se sentar com seus sorridentes companheiros de labuta.

    A despeito das gargalhadas e dos vastos comentários sobre a devastadora vitória do time da maioria, Petrolino buscava manter o pensamento naquela iguaria diante dos seus olhos. Tentava sentir o gosto do arroz misturado ao feijão, do cabinho da alface esmagado pelos seus dentes, da carne malpassada que descia aos nacos pela goela. 

    Tudo parecia bem, até que o Júlio, certamemte o mais exaltado, começou a puxar um coro de chacota daquela goleada histórica, que, aos olhos de Petrolino, deveria ser esquecida. Com a boca que acabara de receber uma generosa garfada de farofa, ele se levantou e começou a soltar cobras e lagartos. Aquela chuva de farofa fez com que todos ficassem embasbacados, até que a Susana, talvez a mais ponderada da mesa, olhou para Petrolino e disse: "Moço, onde você foi com essa bicicleta sem freio?"

  • Nota de esclarecimento: O conto "Petrolino e a derrota esmagadora do seu time" foi publicado pelo Notibras no dia 19/10/2023.
  • https://www.notibras.com/site/petrolino-sofre-com-goleada-esmagadora/

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Muito obrigado, Rafael!!! Esta história escrevi a partir da última frase. Eu ouvi e achei muito engraçada. Então, criei um enredo para que ela se encaixasse. Creio que ficou legal. Abração!!!

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  2. Nossa! Como sempre, Dudu, você arrasando.
    Mas nem me fale em futebol.
    Ô vício terrível.
    A gente, sofre, perde o freio da bicicleta, com a boca cheia de farofa, mas no próximo jogo, está lá a gente sofrendo de novo.
    Salve a Seleção....
    Salve o Vasco da Gama!
    No ano de 2023, vou sofrer mais do neste ano: Vasco na Série A.
    Será que aguenta?
    Sofrimento a vista.
    Seu Petrolino deveria fazer uma promessa para parar de torcer pro time dele.
    Será que é só ele, que deveria fazer tal promessa????
    Kkkkkkkkkkk
    Seu Petrolino, nem precisava soltar cobras e lagartos, era só ele se levantar e perguntar: Quem fez esta farofa, foi dona Fifofina?

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    1. Maria Lúcia, eis que aqui estou rindo desse seu comentário hilário. "Quem fez esta farofa, foi dona fifofina? Muito bom!!! Pois é, o Vascão subiu, mas creio que deva permanecer na sére A, de onde nunca deveria ter saído. O campeonato fica muito ruim sem o Vasco!!! Beijo carinhoso!!!

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