quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Valéria e a bijuteria

      

        Estou desapegando das pessoas. Não ligo para coisas materiais há tempos, mas de gente foi mais complexo. Há muito sentimento envolvido. Não que também não fosse apegada às minhas quinquilharias.

          Para você ter ideia, na semana passada, joguei fora uma bijuteria que sempre me foi bastante cara, apesar de saber que não valia nada além de sentimentos. Fora me dada por Arlindo, paixão adolescente, cujos olhos acolhedores me apanharam em momento de tamanha insegurança e, por isso mesmo, era eu a criatura mais revoltada com o mundo. Mas quem não o é aos 14?

          Pois lá foi a réstia de sentimentos que, porventura, ainda estivesse guardada em algum lugar. Não que o meu primeiro namorado tenha sido esquecido por completo. Não. Acredite ou não, ainda somos amigos... Bem, não amigos que se encontram ou mesmo que se falem. Mensagens, não mais do que isso, e todas formais, no Natal e no Ano Novo. Só. 

          O rompimento aconteceu de maneira natural, se é que posso chamar assim o fato de, após uma viagem para praia, eu não ter conseguido olhar com os mesmos olhos aquele rapaz tão meigo. Fingi indisposições mentirosas e, após alguma insistência, ele desistiu ou, ainda guardo certa dúvida, tenha se interessado por outra. Natural.

          Arlindo se mudou dois ou três meses após o nosso rompimento sem dramas. Soube depois que fora morar na Asa Sul, que, naquele tempo, era uma viagem da minha quadra, bem no final da Asa Norte. No entanto, quando algo precisa acontecer, vai acontecer. Meu pai sempre dizia isso, apesar de mamãe achar aquilo uma tremenda bobagem. 

          Aconteceu. Mas como levou tempo! Uma eternidade de praticamente meia década. 

          — Valéria, e precisa desse drama todo pra falar cinco anos?

          Parece que ainda ouço a voz da dona Lourdes, minha mãe. Ela sempre me dizia para tentar a sorte como atriz. 

          — Valéria, você puxou a cara de pau do seu tio Lúcio. Não é possível! Um dia ainda vou te ver numa novela ao lado do Francisco Cuoco. 

          Bem, tio Lúcio, irmão do meio da dona Lourdes, era o, digamos, porra-louca da família. E, talvez por isso mesmo, tenha sido o único que viveu uma vida deliciosamente inconsequente. Que inveja! Mesmo que seu fim não tenha sido nada romântico, sem contar que passou por alguns perrengues dignos de... Bem, fugiu-me a palavra, mas não se preocupe, que uma hora ela volta. 

          Foi na UnB que o Arlindo reapareceu ainda mais lindo. Ele me observou por um instante até tomar coragem e se aproximar. Devo ter sorrido, pois percebi seus dentes grandes, brancos, como se tivesse saído de um anúncio de pasta de dente. 

          Marcamos de nos encontrar depois da aula para colocar a conversa em dia. Nem me recordo qual foi a matéria que tive naquela tarde. Já tentei puxar pela memória, mas devo estar muito velha ou, então, deve ter sido algo que eu não quisesse mesmo lembrar.

          — Matemática?

          — É.

          — Não acredito! Você sempre disse que seria advogada.

          — Por quê? Tá me chamando de mentirosa?

          Arlindo abriu aquele sorriso e, dessa vez, pude me deliciar com uma gargalhada gostosa, que ainda soa em meus ouvidos. Basta fechar os olhos e lá está ele, aos 20 anos, como se tivesse o poder de atrair todas as mulheres do mundo. E, não duvido, tenha sido justamente isso que nos afastou. Quer dizer, aconteceu algo pior. Muito pior.

          Tornei-me confidente do rapaz por quem, naquele momento, me redescobri apaixonada. Do ciúme inicial, passei a achar graça das conquistas ou desventuras amorosas do Arlindo. No entanto, até sorvete com cobertura de chocolate enjoa. Acabei desenvolvendo repulsa por aquilo tudo, apesar, vez ou outra, sentir certa comiseração por uma ou outra mulher que caía na lábia do Don Juan. 

          A formatura foi a desculpa ideal para conseguir me afastar sem provocar questionamentos. No início, Lindomar, acostumado a ter uma ouvinte ideal, que fazia caras e bocas a cada detalhe dos relacionamentos, me telefonava para me contar as novidades. Eu inventava desculpas, algumas tão esfarrapadas, que devem ter feito o sujeito perceber que eu não estava mais afim de escutar suas aventuras.

            Uns dois anos após a nossa última conversa por telefone, estava eu no aniversário da Gláucia, quando vi entrar no apartamento o Arlindo. Não sei o que me deu, mas sorri em sua direção, que demonstrou ter gostado. Como o danado conseguia? Estava ainda mais lindo! E que magnético olhar castanho!

        — Você por aqui?

        — Há quanto tempo, Valéria.

          Não nos separamos durante quase toda a festa. Quem não gostou muito foi a Gláucia, que, mesmo após quase uma infinidade de anos, nunca me perdoou. Soube depois de uma semana que ela estava apaixonada pelo Arlindo e, no ano seguinte, os dois se casaram e, até onde me consta, vivem uma vida de aparências. 

          Mas voltando ao aniversário da minha até então amiga, eis que o Arlindo me ofereceu carona. Aceitei, apesar de morar na quadra ao lado. Estava certa de que acabaríamos na cama, e era o que mais deseja naquele instante, ainda mais por conta de dois copos de cerveja. Sempre fui fraca para bebida. 

          Já no carro, voltamos a nos beijar e nos tocar após tanto tempo, que havia me esquecido de um detalhe fundamental. Gente, como é que fui me esquecer daquilo? Seria o mesmo que mulheres que pariram e, anos após resolvem engravidar novamente, pois se esqueceram da dor descomunal do parto?

          Como beija mal! Fingi que estava naqueles dias e, então, falei para deixarmos para outra oportunidade, que, obviamente, nunca aconteceu. E, olhando por esse ângulo, não sei como é que guardei por meio século aquela bijuteria horrível. 

        Ah, tuaregue! Sim! Tu-a-re-gue! Tio Lúcio, vez ou outra, levava uma vida de tuaregue.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Valéria e a bijuteria" foi publicado por Notibras no dia 12/11/2025.
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terça-feira, 11 de novembro de 2025

Entre o vestido e o sorvete

        A campainha não parava. Solange, imaginando se tratar das crianças da rua aprontando alguma, sorriu. Ah, moleques! Que época boa. Se soubessem... Mas não! Era Roberta, a filha do meio.

          — Mãe! Mãe! Mãããããeeeee!!!

          Assim que abriu a porta, a mulher foi questionada.

          — Pô, mãe! Tá surda?

          — Pensei que fossem os meninos.

          — Meninos? Que meninos, mãe?

          — Os da rua, ué.

          — Hum! E por que viriam aqui na casa da senhora?

          — Meninos são assim mesmo. Ou você já se esqueceu?

          — Esqueci o quê, mãe?

          — Ué, você e seus irmãos tocando a campainha da casa da dona Sebastiana e depois fugindo.

          — Hum! Mãe, mãe, mãe! A senhora tá bem?

          — Tô. Por quê?

          — Ninguém mais faz essas coisas, não. Tá todo mundo ligado no celular. 

          Logo após entrar, Roberta quis saber se a mãe havia feito o bolo de fubá.

          — Tá na cozinha. Mas não ficou bom.

          — Hum! Quando a senhora diz que não tá bom é porque ficou ótimo. 

          Sentadas à mesa, as duas trocavam confidências. Quase nenhuma por parte da senhora, que andava alheia à correria do mundo. Passava os dias entretida entre poesias de antigos e novos autores, Cecília Meireles e Sarah Munck, Drummond e Luzia Couto, Augusto Frederico Schmidt e Daniel Marchi.

          — Mãe, tem sorvete?

          — Não.

          — Hum.

          — Seu pai gostava de flocos.

          — Eu sei. Também é o meu favorito.

          — Prefiro chocolate.

          — Não era morango?

          — Também.

          — Será que aquela sorveteria da esquina tá aberta?

          Solange olhou o relógio de parede. Quase cinco da tarde.

          — Tá.

          — Vamos lá?

          A idosa, diante do sorriso de menina da filha, não sentiu a menor vontade de contrariá-la.

          — Só vou colocar uma roupa melhor. 

          Cinco minutos depois, a mulher retorna e fica diante do espelho da sala.

          — Roberta, minha filha, tô achando esta roupa tão feia. 

          — Então, troca, mãe.

          — Não.

          — Não?

          — Sou velha. Tenho direito de me vestir assim.

          Roberta achou graça daquelas palavras e, antes que pudesse dizer algo, a mãe complementou:

          — Ah, meu Deus, como esta roupa é esquisita! Mas vamos, que o sorvete vai acabar derretendo.

            As parentas gargalharam e se dirigiram à sorveteria.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Entre o vestido e o sorvete" foi publicado por Notibras no dia 11/11/2025.
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segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Bate-papo entre adultos

 

          Não sei precisar quando aconteceu, mesmo porque eu era um, digamos, fedelho. Sim, fe-de-lho! Você sabe o que significa? Não? Pode ficar tranquilo, que terei o maior prazer em lhe informar. 

          Fedelho, entre tantos significados, quer dizer jovem de pouca idade. E vamos ficar apenas nesse sentido, pois era justamente o único que se enquadrava na minha pessoa, então com sete ou oito anos. 

          Meu avô Basílio, pai do meu pai, foi nos fazer uma visita, que durou alguns dias. Viúvo há pouco tempo, sentia falta de vovó, com quem costumava ter homéricas discussões. Todas, aliás, vencidas pela esposa. Uma matrona por assim dizer. 

          Matrona? Não sabe o que significa? Não, não, não disse mandona. Ma-tro-na. Não quer dizer especificamente mandona. No entanto, foi o que quis falar. 

          Percebo que você, apesar de desconhecer alguns verbetes... Verbetes? Sim, ver-be-tes. No caso, pa-la-vras. Você sabe o que é uma palavra, né?!

          Voltemos, então, ao tempo em que vovô conviveu conosco por talvez uma semana. Época gostosa de aprendizagem, quando descobri o que são baratinhas. Você sabe o que é são?

          Não, não, não! Não é um tipo de barata. Imagina! Você acha mesmo que o meu avô Basílio e eu perderíamos nosso precioso tempo com baratas? Esse tipo de barata? Nananinanão! Éramos homens ocupados, apesar de eu ainda não passar de um fedelho. Você sabe o que é fedelho, né?!

          Baratinhas, meu caro, era como vovô se referia aos carros de corrida. Fórmula 1. Parece que desde os tempos de um tal Fangio. 

          Frango? Não, meu querido. Fan-gio! Era o nome de um piloto muito famoso dos tempos em que vovô não passava de um... fedelho. 

           De repente, a conversa é interrompida por chamados.

          —Joaquim! Joaquim!! Jo-a-quim!!!

           Ih, é minha mãe. Sempre escandalosa. Mas fazer o quê, né?! Depois a gente se fala mais. Você virá aqui amanhã? Ah, que bom! Vou trazer o convite do meu aniversário. Faço questão da sua nobre presença. E não aceito escusas. Dez anos, meu amigo! Dez anos! Você acredita?

  • Nota de esclarecimento: O conto "Bate-papo entre adultos" foi publicado por Notibras no dia 10/11/2025.
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domingo, 9 de novembro de 2025

José Antônio, Gertrudes e Madá

          

      José Antônio, mudo para assuntos que não lhe diziam respeito, possuía sobrenome apropriado: Calado. Não que fosse sempre embatucado, pois sabia e precisava falar, ainda mais para saber sobre o problema de saúde de suas pacientes. Médico? Bem, de certa forma, sim.

          — Doutor, o senhor acha que ela vai ficar boa?

          — Sim. Pode ficar tranquila, Maria Alice, que a Gertrudes vai ficar novinha em folha.

          — Hoje?

          — No final da tarde.

          — O senhor promete?

          — Prometo.

          — Tá vendo, papai? O doutor vai cuidar da Gertrudes.

         — Sim. Mas agora vamos? O doutor precisa arrumar o braço da Gertrudes. Mais tarde a gente volta pra buscá-la.

         Assim que o homem e a menina deram as costas, José Antônio colocou a boneca sobre a mesa de trabalho. Avaliou por um instante e constatou que, após reduzir aquela fratura, bastaria colocar um pouco de cola para que a Gertrudes pudesse retornar para casa nos braços da pequena Maria Alice.

       Enquanto o cirurgião fazia os procedimentos necessários, ele sorriu. Acabara de se recordar como tudo aquilo havia começado. 

          Madalena, a Madá, era a Gertrudes de Sandra, sua irmã caçula. Por falta de cuidado, desventura ou acaso, Madá foi mastigada não se sabe quantas vezes pela Cuca. Ainda filhote, a terrier não sabia que a boneca era da família. 

          Por sorte, José Antônio, então com 10, 12 anos, conseguiu salvar a parenta a tempo. O estrago foi grande, mas não foi necessário sepultar a pobre da Madá. E ela sobreviveu por anos, até que, finalmente, a Sandra começar a ter outros interesses. 

          Madá não parou na lata do lixo por pouco. Mais uma vez, foi salva pelo José Antônio, que a mantém até hoje. A Sandra, quando visita o irmão, acha graça.

        — Por que você não joga essa boneca fora?

        — Nunca.

        — Por quê?

        — Não desistimos da família. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "José Antônio, Gertrudes e Madá" foi publicado por Notibras no dia 9/11/2025.
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sábado, 8 de novembro de 2025

Esther com agá

   

A senhora, acompanhada da bisneta, foi ao banco fazer a prova de vida. As duas se sentaram em frente ao atendente. A velha observou o homem, enquanto a jovem parecia mais interessada em mexer no aparelho celular. 

          — Vou precisar da identidade da senhora.

          A mulher mexeu na bolsa, pegou o documento e o entregou para o sujeito.

          — Dona Esther, né?

          —  Sim. Com agá.

          — Sim, estou vendo.

          — Hoje em dia não é tão comum.

          — O que não é comum?

          — Esther com agá.

          — Ah, sim! É verdade. 

          — A senhora não teria outra identidade aí?

          — Outra? Por que você quer outra?

          — É porque esta é muito antiga.

          — É porque sou antiga

          — Não é tanto assim.

          — Posso garantir pro senhor que sou mais antiga do que a minha identidade.

          — Sei disso.

          — Então, a identidade serve, né?!

          — A senhora precisa tirar uma nova.

          — Por quê?

          — Ela está antiga.

          — Que nem eu?

          O atendente sorriu.

          — Dona Esther, aqui está a sua identidade. A senhora provou que está viva. Até o próximo ano.

          — O senhor acha que estarei viva no próximo ano?

          — Sim. A senhora não é tão velha assim.

          — Esther Martins Rocha.

          — Sim, eu sei.

          — Esther com agá.

          — Com agá e lindos olhos verdes.

          — O senhor está me paquerando?

          O atendente sorriu.

          — Sabia que o senhor tem os dentes bonitos?

          — Obrigado.

          — Os meus são naturais. Acredita?

          — Sim. Dá pra ver que são.

          — Não são bonitos como os do senhor, mas já foram mais. 

          — Ainda são bonitos. 

          A neta, que estava impaciente com a demora, tentou interromper a conversa para ir embora.

          — Vamos, bisa.

          — O senhor está vendo isso? Minha bisneta Mariana, mal completou 18 anos, já quer mandar em mim.

          A jovem e o homem se entreolharam. Ela pareceu mais desconfortável que ele, que demonstrou certa empatia por Esther.

          — Bem, senhor... Qual é mesmo o nome do senhor?

          — Thiago.

          — Então, senhor Thiago, foi um prazer conhecê-lo. 

          — O prazer foi todo meu, dona Esther.

          A mulher se levantou, a bisneta a amparou com os braços e, já dando as costas para o atendente, este a chamou.

          — Dona Esther.

          — Hum?

          — Thiago com agá.

          Ele piscou para ela, que retribuiu. Próxima à saída do banco, a neta resmungou.

          — Ah, bisa, que demora!

          — Demora?

          — É!

          — Mariana, me diga uma coisa.

          — O quê?

          — O que você tanto mexe nesse celular?

          — Tô vendo uma live.

          — Hum!

          — O que foi, bisa? Não gosta? É maneiro. Quer assistir comigo?

          — Não me importo com lives, mas com vidas.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Esther com agá" foi publicado por Notibras no dia 8/11/2025.
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sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Santana, Paulinho e o preso

    

O Santana, o maior nó cego entre os policiais de certa delegacia lá pelos lados de Sobradinho, para surpresa de ninguém, entrou de cara amarrada no serviço, onde há mais de duas décadas finge trabalhar. Um traste por assim dizer.

          O procrastinador passou pelos colegas sem ao menos um bom-dia e foi direto para a cozinha. Lá estava a Sissi terminando de passar o café. Ela nem precisou virar o rosto para saber quem era, conhecia aquele arrastar de pés e o arfar de fumante ou gente preguiçosa. O Santana, sem qualquer pontinha de remorso. carregava com louvor tais características. 

          — Hum!

          — Que é, Santana?

          — Esse café vai demorar muito?

          — Se eu quiser, vai, sim!

          O agente deu dois passos para trás. Até ele sabia que não se brincava com a Sissi. É que a mulher não era apenas a responsável pela cozinha, mas era a pessoa mais importante para que a delegacia funcionasse. Afinal, qual repartição pública deste país sobrevive sem café?

          Após se servir de uma, duas e três generosas xícaras, o Santana foi questionado pelo Ricky Ricardo, chefe da equipe de plantão.

          — E aí, Santana, acho que já tá na hora de trabalhar um pouco, né?!

          O mandrião olhou de cara de nenhum amigo para o Ricky. A vontade era lhe dizer um desaforo, mas não seria nem um pouco inteligente. Não que sapiência fosse uma das facetas do Santana. Seja como for, além de poder levar uma advertência por bobagem, o que o gorducho tinha de cintura, o chefe possuía em altura. 

          — Tô indo.

          — Então, anda logo, que o Pedrito e eu precisamos atender um chamado.    

          Enquanto estava no balcão da delegacia para registrar possível ocorrência, o Santana aproveitou a calmaria para tirar um cochilo. Mas eis que, nesse ínterim, os agentes Paulinho, Marcelo e Alexandre, conduzindo um sujeito, entram na delegacia, momento em que o molengão abriu os olhos. Os policiais nem se deram ao trabalho de serem ignorados pelo Santana e, por isso, foram direto para a sala do delegado Rupereta.

          O conduzido, após algum tempo, foi algemado ao banco entre a sala da autoridade policial e o plantão. Isso até que Rupereta analisasse quais artigos iria enquadrar o preso. 

          Por mais zelo que o policial proceda o ato de algemar, sempre corre o risco de o gatuno escapulir. E não é que esse conseguiu se livrar das algemas? O problema é que, para alcançar a liberdade, o meliante precisaria passar pelo plantão, onde se encontrava o Santana, tão perigoso como a estátua de um leão na entrada de um hotel. 

          Apesar da falta de perigo, o fujão desconhecia tal condição e, então, precisou bolar um plano. E foi o que fez, ainda mais porque sabia que logo, logo o Paulinho e os outros policiais retornariam da sala do delegado. 

          O preso simulou seu melhor sorriso, abriu a portinhola ao lado do balcão e, já prestes a dar o primeiro passo para a liberdade, ouviu a estrondosa voz do Santana.

          — Ei! Quem te soltou?

          — Foi o Paulinho.

          — O Paulinho?

          — É. Ele pediu para eu ir ali comprar pão na padaria.

          — Pão?

          — É. Pão. 

          — Hum! Só Pão?

          — O quê?

          — O Paulinho só pediu pra você comprar pão?

          — É.

          — Hum! 

          — O que foi?

          — Tá com dinheiro aí pra comprar presunto?

          — O quê?

          — Pre-sun-to! Você é surdo?

          — Nã-não, senhor. Presunto. Tá anotado.

          — Hum!

          O preso, quando já estava na saída da delegacia, ouviu novamente a estrondosa voz do Santana.

          — Ei, você!

          O sujeito virou o rosto e, então, o Santana disse:

          — Ah, também traz uma manteiguinha. 

          Cinco minutos depois, o Paulinho, o Marcelo e o Alexandre apareceram e encontraram apenas as algemas presas ao banco. Nada do gatuno. Cadê o bandido?

          — Santana, cadê o preso?

          — Preso? Que preso?

          — O que deixei algemado aqui no banco.

          — Ah, ele estava preso?

          — É óbvio que estava, Santana! Cadê ele? Cadê? Cadê?

          — Ah, ele foi comprar o pão que você pediu. Disse que vai trazer presunto e manteiga também.

          — O quê?

          — Ah, Paulinho, quem é que come pão puro? Pelo menos uma manteiguinha, né?!

        Resumo da história. Após se esgoelar e quase enfartar, o Paulinho foi impedido por seus colegas de esganar o Santana. Quanto ao fugitivo, graças aos esforços do Ricky Ricardo, do Pedrito e a equipe do Paulinho, foi preso na semana seguinte. Aliás, diante do Santana, ele confessou que, no dia da fuga, estava sem dinheiro para o pão, quanto mais para o presunto e aquela manteiguinha.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Santana, Paulinho e o preso" foi publicado por Notibras no dia 7/11/2025.
  • https://www.notibras.com/site/santana-paulinho-e-o-preso/