
Dia dos Namorados, mesmo após anos de casados, era algo a se comemorar,
segundo dizia Maria Tereza ao marido, Julião. Entretanto, a mulher, no seu
íntimo, pensava que, quando jovem, tudo era feito com mais entusiasmo, como se
as datas festivas tivessem mais valor. Para comprovar tal pensamento, bastava
rememorar as comemorações de há duas, três décadas, quando jantares à luz de
vela eram tão costumeiros.
Com
o tempo, a graça parece que foi fazer uma viagem só de ida. Se bobeasse, apenas
um breve beijo na testa e uma troca de fatias amanteigadas de pão dormido.
Afinal, quem se importa com essas datas, a não ser os tolos e o comércio?
—
Não, não e não, mamãe!
—
Hum! Você fala isso porque mal saiu da lua de mel, Silvana.
—
Pois a senhora e o papai precisam manter a chama do amor acesa.
—
Que chama o quê!? Aqui não tem nem mais faísca.
—
Ah, mamãe! Pois vamos comemorar todo mundo junto!
—
Melhor você comemorar com o seu marido, que vou ficar com o meu velho aqui em
casa mesmo.
—
Que nada! Vamos todos sair para jantar fora. Tá decidido e pronto!
Sem
disposição para entrar em atrito com a caçula, Maria Tereza aceitou o convite,
ainda mais porque andava com atrito com o primogênito, Luciano, que há tempos
era acometido pelos males do alcoolismo, inclusive com acessos de fúria, que,
até então, eram apaziguados pelos familiares.
Pois
bem, quando a noite ainda era uma criança, Silvana e o esposo, Rogério,
chegaram à casa dos pais. Maria Tereza, sempre prática, já estava arrumada,
enquanto Julião parecia indeciso se colocava ou não gravata.
—
Papai, o senhor já usou gravata durante tantos anos pra ir trabalhar. Vá sem, fica
até mais charmoso.
— Você acha mesmo,
Maria Tereza?
— Acho, não. Tenho
certeza!
Assim que os dois
casais estavam para sair, eis que a campainha tocou. Julião abriu e se deparou
com o filho, garrafa na mão, totalmente embriagado.
— Luciano, meu
filho, o que houve?
— Você não é meu
pai, seu falso!
— Não fale assim com
o seu pai, Luciano!
— A senhora nunca me
amou. Sempre preferiu a Silvana.
— Ô, Luciano,
estamos de saída. Depois você aparece pra torrar a nossa paciência, tá?
— Ah, Silvana, pra
você é fácil, né?
Do bate-boca, a coisa passou para a ameaça de agressão física. Luciano,
quebrou a garrafa no portal e apontou o gargalo para todos. Maria Tereza, a
única com autoridade em relação ao filho, não se intimidou.
— Larga isso,
Luciano!
— Vem, vem, que a
senhora vai ver o que vai acontecer.
— Calma, aí, Luciano!
— Sai da frente,
Rogério, se não vai sobrar pra você também.
Sem perda de tempo, Silvana telefonou para a polícia, que compareceu
ao local com certa rapidez. Luciano foi desarmado, algemado e colocado no
cubículo do camburão. Julião, abalado com a prisão do filho, ainda quis
dissuadir a esposa e a filha para deixarem aquilo para lá, mas foi prontamente
censurado.
— Julião, meu amor,
daqui a pouco o nosso filho se torna um assassino.
— Mas, Maria
Tereza...
— Pai, por favor, o
senhor viu o que quase aconteceu.
Diante
dos argumentos, o velho não teve escolha a não ser acatar a decisão das
mulheres da família. Entretanto, preferiu não acompanhar os policiais até a
delegacia. Tal tarefa coube à esposa, à filha e ao genro.
Um
turbilhão de sentimentos tomou conta de Maria Tereza, apesar de tentar encarar
a situação com naturalidade. Ela sabia que prisão não iria resolver o grave
problema de alcoolismo do filho, mas, tentando não apenas se proteger, como
também o marido e a filha, carregou consigo a certeza de estar fazendo o melhor
naquele momento. Ao menos, por algum tempo, estariam a salvo.
O procedimento na
delegacia adentrou a madrugada à frente e, quando viram, já estava perto das
3h. E, enquanto o delegado tomava o depoimento de Rogério, mãe e filha, que já
haviam sido ouvidas, conversavam na sala ao lado.
— A senhora tá bem?
— Como posso estar
bem, minha filha?
— É.
— E pensar que a nossa comemoração do Dia dos Namorados pudesse ser
assim, hein?
— Hum! Nem me fale, mamãe.
—
Pelo menos, você está com o seu namorado. Pior fiquei eu, que o meu namorado está
em casa e, provavelmente, roncando. Sem falar que o meu filho vai ver o Sol
nascer quadrado logo mais.
- Nota de esclarecimento: O conto "O improvável Dia dos Namorados da Maria Tereza" foi publicado por Notibras no dia 22/6/2025.
- https://www.notibras.com/site/o-improvavel-mesmo-tendo-ficado-para-tras-dia-dos-namorados-da-maria-tereza/