O homem, que não suportava cozinhar, teria que fazer o almoço. Nada de comida sofisticada, mas crescera aos pés da mãe, que tudo fazia. Cresceu um tanto mais e se casou com Aurora, a quem conheceu ali mesmo naquela rua. Chegaram até a brincar de queimada, garrafão e outras peraltices antes do primeiro beijo, que só aconteceu porque ela tomou a iniciativa.
Tiveram um par de filhos, que hoje não chegam a dez anos. Viviam até bem, caso não fosse pela rigidez de Serafina, a rigorosa mãe de Aurora. Sempre atenta a todos os detalhes, não poupava Camilo de uma bronca aqui, uma chamada de atenção ou até mesmo um puxão de orelha por qualquer descompostura.
Maria Luíza e Pedro tiveram que ser quase empurrados da cama, que parecia acolhê-los muito melhor que a escola. Pelo menos era o que os filhos do Camilo insistiam em sonhar, apesar do berro do pai
_ Vamos que vamos sair dessa cama!
_ Ah, pai, só mais cinco minutinhos.
_ Anda, anda e não me aperreie! Hoje tô que tô uma pilha!
Depois do café da manhã preparado e devorado quase sem gosto, os rebentos rumaram para a escola, logo ali na esquina. Enquanto isso, Camilo foi até o quintal da casa, onde tragou dois cigarros baratos. Voltou para a cozinha e tratou de descascar algumas batatas. Olhou para o lado e viu o gato esparramado no cesto, cabeça tombada, nariz quase encostado na cerâmica carcomida pelo tempo.
_ Folgado!
Batatas depiladas, foi jogar as cascas ao pé da mangueira. Aproveitou e sacou mais um cigarro e tragou até a alma. O amargor na garganta o despertou para o horário. Quase meio-dia! Correu para a cozinha, tirou as panelas de arroz e de feijão da geladeira, quase ao mesmo tempo em que pegou a frigideira com óleo de uma semana ou mais. Fritou as batatas, requentou o punhado de arroz e feijão.
Sacudiu os farelos de pão da toalha da mesa, derramou os pratos e talheres. Não demorou, Maria Luíza e Pedro, esbaforidos, entraram em casa. Jogaram as mochilas sobre o sofá e correram para a cozinha. Famintos, mal conseguiram esperar que o pai os servisse.
Enquanto o homem despejava mais uma colherada de feijão no prato de Maria Luíza, eis que surge Serafina. Com o nariz apontado para o alto como um perdigueiro, a sogra de Camilo tentou farejar o aroma do ambiente. Enquanto isso, os netos e o genro, quase estáticos, a observavam. A velha afanou uma batata do prato de Pedro e a colocou na boca. Mastiga daqui, mastiga dali, encarou os três e, finalmente, a engoliu. Camilo, com a voz quase muda, arriscou uma pergunta.
_ Gostou?
_ É, até que ficou uma comida honesta.
- Nota de esclarecimento: A crônica "Camilo, o almoço e a sogra" foi publicada pelo Notibras no dia 02/07/2023. Foi feita uma pequena alteração no texto, a pedido da redação do jornal, para que a história se passasse no Distrito Federal.
- https://www.notibras.com/site/camilo-mestre-cuca-ruim-faz-batata-em-oleo-velho/
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