Não se sabe ao certo se aquele homem havia encontrado aquela cachorra ou, então, se foi justamente o contrário. Isso, aliás, nem importa, já que, desde que um colocou os olhos sobre os olhos, algo parece os ter de tal forma, que era difícil imaginar que um dia haviam vivido separados, ainda mais depois de anos viajando pelas estradas em busca de trabalhos temporários.
Joca, lá com seus quase 50, nem mais ligava se a enorme Angelique babasse todo o banco de seu carro. Não que no início tal característica da cadela não o incomodara, mas acabou percebendo que uma forte base de amizade é formada justamente assim. Pois é, amigos toleram as falhas dos amigos simplesmente porque são amigos. Ele, com certeza, também possuía lá as suas, mas estas jamais foram postas à mesa pela companheira babona.
Beberrão sem muitas preferências, Joca não fazia cerimônia e, não raro, metia o pé na jaca. Angelique, mais sábia que o amigo, escondia as chaves da camionete. O homem nem questionava a companheira, mesmo porque não queria se encrencar, mais uma vez, com a lei. Acabava adormecendo no banco do carro, enquanto Angelique fazia a guarda.
Ao amanhecer, o homem era despertado pelos raios solares e, antes que pudesse abrir os olhos, recebia várias lambidas no rosto. Joca soltava um arre, mas logo trocado por afagos. Era hora de tomar um belo café da manhã. E lá ia ele, acompanhado daquela ressaca, buscar algo para comer na vendinha mais próxima.
Apesar das inúmeras histórias vividas por aquela dupla, uma, talvez, seja a mais interessante. Pois bem, lá estava aquele homem entorpecido por mais uma bebedeira. Os vidros da camionete estavam fechados e, provavelmente por conta disso, a enorme cachorra deve ter se embriagado pelo hálito etílico do amigo. Ela adormeceu, enquanto a proteção daquela dupla ficou a cargo de algum anjo da guarda de plantão, caso houvesse um naquela cidadezinha do interior da Bahia.
A velha camionete, estacionada sobre a proteção de uma linda mangueira, que ficava em frente à única agência bancária da cidade, fez com que Joca e Angelique prolongassem a soneca até mais tarde. Enquanto isso, quatro homens chegaram em outra camionete e estacionaram justamente ao lado. Três deles entraram no banco e, logo em seguida, saíram levando alguns malotes abarrotados de dinheiro. Jogaram tudo na caçamba do veículo e fugiram, muito antes da polícia chegar.
Joca e a sua amiga acabaram despertando por conta da balbúrdia que se formou justamente ali. O homem soltou aquele arre costumeiro e, então, ligou a camionete e foi buscar outro local para continuar no mundo de Morfeu. Acabou pegando a estrada e só parou a mais de 200 quilômetros da pequena cidade.
Meteu a camionete numa estradinha de chão e, debaixo de uma árvore, dormiu até que a barriga começou a roncar mais alto que a Angelique. Era hora de comer. No entanto, a bexiga cheia lhe mostrou que havia uma necessidade mais urgente.
Saiu do carro e foi se aliviar atrás da caçamba quando, então, percebeu que haviam alguns malotes ali. Abriu um, abriu outro, abriu todos. O homem se viu rico. Tão rico, que nunca mais se ouviu falar dele nem da Angelique. Todavia, dizem por aí que continuam juntos, pois a velha camionete, vez ou outra, fica com todos os bancos cheios de baba.
- Nota de esclarecimento: O conto "Joca e Angelique" foi publicada pelo Notibras no dia 7/7/2023.
- https://www.notibras.com/site/assalto-a-banco-deixa-desempregado-milionario/
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