Diante de tamanha comilança, as filas dos banheiros se tornavam um inconveniente, ainda mais para as mulheres, que não tinham como levantar as saias ou abaixar as calças atrás das moitas do enorme jardim. Muito arriscado! Já os homens, quando a necessidade era apenas líquida, qualquer tronco das inúmeras árvores era o suficiente para esconder as vergonhas dos olhares mais curiosos.
Aquele rega-bofe era para comemorar a aprovação da Ritinha, a mais nova das netas de Arlete, no concorrido vestibular da UnB. Pois é, a garota, que mal havia completado 18 anos, estava prestes a se mudar para Brasília. Não que a distância fosse muita, pois o Distrito Federal, rodeado de muito Goiás e um tiquinho de Minas Gerais, não ficava longe da sua pequena cidade.
A jovem, talvez pela timidez, não parecia tão feliz com o seu feito. Já Agrísio, o pai, era todo orgulho. Era uma coisa de minha filha pra cá, minha filha pra lá, que até a esposa, Santinha, começou a ficar incomodada. Não que também não estivesse contente com a conquista da Ritinha, mas, assim como a filha, era reservada.
O rega-bofe já avançava para a metade, quando Agrísio, com os ânimos exaltados pelos inúmeros goles de cerveja e outras bebidas mais quentes, quis fazer o discurso de praxe. Foi prontamente impedido pela esposa, com a anuência da sogra. Até a Arlete sabia que o filho, quando estava tresloucado, precisava ser contido. Dessa forma, tomou-lhe a frente o Pompílio, um agregado da mais alta confiança da casa.
Todos os presentes se aproximaram para ouvir a palestra do Pompílio, que até poderia ter sido breve, caso não tivesse percebido o entusiasmo da matriarca. A cada frase dita, Arlete abria aquele sorriso de aprovação. Até a Ritinha, agarrada aos braços da mãe, pareceu gostar de tantos elogios, que nem ela sabia ser merecedora. Agrísio, emburrado no canto, compartilhava o mesmo anseio de grande parte da plateia. Não via a hora daquele falatório terminar.
Arlete cumprimentou Pompílio pelas belas palavras. Até ela, que era letrada, desconhecia um ou outro daquele amontoado de vernáculos. Todos aplaudiram o locutor oficial do momento e, rapidamente, retornaram para coisas mais interessantes: a abarrotada mesa de comes e bebes e, em especial, para aquela deliciosa feijoada.
Uma semana após aquele evento, o povo da rua ainda comentava a generosidade da velha. Agrísio continuava contrariado por ter sido calado pela própria mãe. Santinha andava chorosa pelos cantos de saudade da filha. Arlete, ao lado do agora quase inseparável Pompílio, parecia satisfeita com mais aquele evento bem-sucedido. Quanto à Bisnaga, a cachorrinha andava mal dos bofes. Talvez tenha comido algo indevido ou, então, aquilo era o prenúncio de uma nova gravidez.
- Nota de esclarecimento: O conto "O rega-bofe" foi publicada pelo Notibras no dia 14/7/2023.
- https://www.notibras.com/site/ritinha-vai-pra-unb-e-deixa-bisnaga-com-ninhada/
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